quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O VOO DA ALMA

 

BEIRA MAR DE TRAMANDAÍ - RS
Foto por Nara Maria Müller



Miniconto de Nara Maria Müller

Ela buscava uma resposta acerca da alma de sua mãe, recentemente falecida. Numa tarde fria de sol, durante o outono, ela fotografou o mar. Queria ter uma bonita capa para a página do Facebook das mulheres do Litoral, entretanto aquela foto continha algo que a surpreendeu e emocionou. Ela não vira a libélula embelezando a paisagem, mas a enxergou na foto, voando em liberdade. Sentiu, então, a paz pela qual estava ansiando.

 

Capão da Canoa, 20 de agosto de 2025

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Depois da morte

 


Imagem de Pixabay


Conto número 1

Por Nara Maria Müller


Naquela tarde cinzenta, a fina e fria chuva caía lá fora, Sara via as gotas escorrerem pela vidraça da janela da sala de estar. Sala que hoje estava cheia de gente, com muitas conversas e choros por todos os cantos. Apesar de todo aquele movimento, Sara tinha a sensação de que a sala estava vazia. Andou em direção à cozinha e lá então, o silêncio e o vazio pareciam atravessar seu coração ainda inconformado pela partida de sua mãe.

Mãe que fora sua melhor amiga, sua protetora durante 15 anos, desde que nascera até esse triste dia da despedida. Sara ouvira dizer que agora sua mãe era um anjo e, que lá do céu continuaria sua tarefa de cuidar, de amar e de interceder pela sua felicidade. Mas também ouvira dizer que, antes de ir para o céu, a alma de sua mãe teria que passar um tempo purgando seus pecados até ter o direito de se encontrar com Nossa Senhora e com Jesus.

- Que pecados seriam esses? - Pensava Sara em meio às lágrimas que insistiam em brotar e escorrer sobre suas faces.

- Minha mãezinha não tinha pecados, ela viveu para amar e cuidar de mim e sempre foi boa com todo mundo! Não, ela não merece ficar sofrendo no purgatório, certamente vai direto para junto de Deus.

Tia Rosa, vestida de preto da cabeça aos pés e com os olhos marejados se aproximou de Sara, acolhendo-a com um abraço afetuoso, dizendo: - Vem, querida, vamos tentar comer alguma coisa. Você está sem comer desde ontem e “ela” não quer que você fique doente. Você e eu precisamos ser fortes e vamos honrar a vida que a Elena viveu enquanto habitou a terra.

Sara não sentia fome, mas acompanhou a tia até a mesa da sala de jantar. Algumas amigas tinham trazido frutas e preparado um lanche. Serviu um chá e beliscou uns biscoitos. Mas seu coração estava apertado. Sara tinha a sensação de que seu estômago estava fechado.  Nada parecia suprir aquela ausência gigante que sentia.

Perguntou, então para a tia Rosa se ela realmente acreditava que a sua mãezinha podia vê-la de onde estava agora. – Será mesmo que ela está no céu cuidando de mim? De nós?

Tia Rosa abraçou-a e confirmou essa teoria, com firmeza. No seu coração, entretanto, Rosa também pensava se essa era mesmo a verdade.

- Vamos rezar pela alma dela todos os dias, assim, caso ela ainda esteja a caminho do céu, terá forças para chegar mais rápido - disse a tia Rosa. Sara experimentava uma sensação de cansaço, seu corpo não tinha forças para reagir. Acabou adormecendo nos braços da irmã mais velha de sua finada mãe.

Enquanto Sara dormia, agitadamente, Rosa chorava a morte de sua irmã, tão precoce e tão repentina. – Minha pobre Elena, por que teve que ser assim?

No dia anterior, Elena levantara-se apressada, preparara o café da manhã e lavara umas roupas. Sentindo um orgulho imenso pela filha, Elena viu Sara embarcar no ônibus que a levaria para a escola. Pensou em ir ao supermercado, mas antes disso, resolveu trocar de roupa. Escolheu um vestido laranja, para combinar com o outono que acabara de começar. Colocou seu perfume predileto (jamais saía sem seu cheiro de jasmim) e partiu em direção ao supermercado. No caminho de volta, sua bicicleta foi brutalmente atingida por um automóvel e Elena foi levada ao Pronto Socorro da cidade. Sara foi avisada na escola e uma professora a acompanhou até o hospital.

- Os ferimentos foram muito intensos e o estado dela é grave - disse um dos médicos da equipe de atendimento. – Ainda estamos avaliando os danos e os procedimentos que deverão e poderão ser aplicados ao caso.

- Posso vê-la? - Perguntou Sara, trêmula e chorosa, com o coração parecendo querer sair pela boca.

- Por enquanto, não. A equipe médica está cuidando dela e faremos todo o possível para salvar sua vida. Tão logo consigamos estabilizá-la, você poderá vê-la.

Uma enfermeira trouxe um chá e tentou acalmar Sara. Tia Rosa já estava chegando, ela morava na cidade vizinha, há uns 20 quilômetros de distância. A professora ficara ao lado de Sara, no hospital. Nesse momento, Sara não poderia ficar sozinha, precisava de muito apoio.

Enquanto esperava, Sara pensou no seu pai, que abandonara a mãe logo que ficou grávida. Sara nunca o conheceu. Por onde andaria? Será que não se sentiria culpado por nunca ter dado qualquer apoio à Elena durante esses 15 anos? Se estivessem juntos, talvez Elena pudesse ter seu carro e não teria sido atropelada com sua bicicleta.

Os pensamentos pareciam desconectados, de vez em quando parecia que Sara estava sonhando. Em certos momentos, as lágrimas escorriam em grande volume e, soluçando, às vezes gritava que queria ver sua mãe. Passada uma hora, aproximadamente, um médico jovem se aproximou de Sara e de sua tia Rosa, que já tinha chegado, e lhes deu a pior notícia que a menina já tinha recebido em sua vida: - Fizemos o possível, mas os ferimentos foram muito profundos e em várias partes do corpo. Sinto muito por essa perda.

Após uma noite e uma manhã de velório, o corpo de Elena foi enterrado no cemitério da cidade onde moravam. Muitas pessoas compareceram: as primas, os primos, a tia Rosa e seu esposo Pedro, todos os professores, a diretora e colegas da escola onde Sara estudava.  Também os vizinhos, os paroquianos da igreja que frequentavam e, é claro, o padre Juvenal, que presidiu os atos fúnebres.

- Deus acolha a alma da nossa irmã Elena, que deixa a filha Sara, a irmã Rosa, cunhado Pedro e 7 sobrinhos - dizia o padre Juvenal. Sara ouvia as palavras, mas não conseguia absorvê-las, tantos eram os pensamentos que lhe vinham à mente.

- Eu não acredito que isso aconteceu. Mãe, eu nem consegui dizer o quanto te amo! Você não teve tempo para me ver formada, nem para refazer sua vida. Eu não vou conseguir viver sem você, mãe! Esses eram os pensamentos de Sara que, por vezes saíam-lhe boca a fora.

Depois do enterro, era hora de voltar para casa e enfrentar aquele vazio. E a chuva fria e fina que não cessava, tornava o dia ainda mais sombrio e devastador.

Já escurecera quando Sara acordou, ainda nos braços da tia. – Tia Rosa, eu tive um sonho tão lindo, com a minha mãe. Ela estava sorrindo, com seu vestido predileto, cor-de-laranja. Ainda posso sentir seu abraço quentinho e sua voz me dizendo que sabe o quanto eu a amo. Será que ela é mesmo um anjo?

Ambas sentiram um perfume que conheciam muito bem. Rosa e Sara sorriram e choraram abraçadas.


segunda-feira, 7 de abril de 2025

As xicaras do chá

 

Nara Maria Müller

Capão da Canoa, 05 de abril de 2025

Há alguns dias eu disponibilizei, para venda, 10 (dez) das xícaras da minha coleção composta por 20 (vinte).

As lindas xícaras pintadas à mão, foram adquiridas ao longo de vários anos, desde a primeira edição do famoso e requintado “CHÁ da XÍCARA” realizado pelas mulheres dos associados ao Rotary Club de Taquara, no Rio Grande do Sul. Naquele período, quando teve início o tradicional chá, em que os participantes apreciavam as guloseimas e levavam suas xícaras para casa, o Rotary era um clube exclusivamente para sócios homens. As esposas, então, compunham a chamada CASA DA AMIZADE, mantida pelo clube.

Ou seria o contrário? Elas, as mulheres da Casa da Amizade não estariam mantendo o clube de Rotary? Enfim, a verdade é que elas tinham, sim, um papel muito importante na manutenção financeira e social do Rotary Club, em muitas cidades do país e do mundo.

Em 1998 eu fui uma dessas integrantes da Casa da Amizade, em Taquara em foi nesse período que uma colega trouxe a ideia de criarmos o chá da xícara. Realizado, pela primeira vez em 1999, o evento se tornou um sucesso, durante vários anos. Nesse período eu havia deixado a Casa da Amizade, mas compareci ao chá, como convidada. Até 2009, continuei prestigiando o chá da xícara, quando então, retornei ao clube, como rotariana.

A cada edição, as mulheres da sociedade taquarense disputavam a compra de seus convites e ficavam ansiosas para conhecerem as suas novas xícaras que, pouco a pouco, ampliavam suas coleções e enfeitavam suas cristaleiras.

As xícaras eram pintadas à mão, por uma artesã do Litoral Norte. Eram lindas e caras. Mas eram um sucesso!

E o trabalho de higienizar essas xícaras, antes de cada edição do chá, era realizado por rotarianos, rotarianas e pelas integrantes da Casa da Amizade.



Foto 1: Higienização das xícaras

As xícaras da primeira edição não tinham o fio dourado nas bordas, mas eram de uma beleza incrível. O chá da xícara acontecia no mês de julho, em pleno inverno, no Clube Comercial, ou na Sociedade 5 de Maio, de Taquara

As felizes participantes do evento apresentavam seus convites e escolhiam suas mesas. Sobre as mesas estavam elas, as xícaras, dentro de embalagens que escondiam sua beleza. Ah! Era uma surpresa maravilhosa abrir aquela embalagem e desvelar a cor e a estampa da xícara de cada edição. Às vezes aconteciam trocas entre as participantes de uma mesa, que sempre buscavam pinturas de diferentes flores e cores para complementarem aquelas xícaras que já estavam em suas cristaleiras, em casa. 


Fotos 2 e 3: Eu e a Sofia (minha enteada) no chá de 2006


                                      
                                       Foto 4: Na mesa ao centro: Luísa Fontoura, Ana Cládis Brussius, 
                                                      minha mãe e a Martha Araújo, no chá de 2009

Nos bastidores, os homens, os rotarianos faziam o chá – e que chá maravilhoso - cheio de segredos que nem as suas esposas conheciam!

 Foto 5: Meu marido, Iuri e o Telmo preparando o chá (2009)

As mulheres da casa da amizade distribuíam os pratos de salgados e doces e também serviam o chá às convidadas. Era lindo! Era mágico!



Fotos 6 e 7: Servindo o chá e os docinhos, em 2009

Ao longo de uns 10 (dez) anos, eu colecionei 20 (vinte) xícaras. Como? Sempre convencia meu marido a comprar um convite, levava minha mãe ou minha enteada e as xícaras, ficavam comigo. Assim, durante mais de 20 anos, eu guardei minhas 20 (vinte) xícaras do chá. Morando em Garibaldi, no ano de 2010, mandamos fazer mais prateleiras de vidro para a cristaleira. Assim, as xícaras caberiam todas, ficando em exposição. Não tenho boas fotos desse tempo...



Fotos 8 e 9: A estante / cristaleira em Garibaldi (2010)

Em São Leopoldo, elas continuavam expostas na minha estante / cristaleira. Quando mudei para Tramandaí, sem espaço para a cristaleira, mantive as xícaras guardadas numa caixa. Sempre imaginando-as numa nova cristaleira. Usei-as algumas vezes, quando patronesse de chás em benefício de entidades como: Associação Beneficente Tudo Posso, Liga Feminina de Combate ao Câncer, ou em eventos do março por Elas, em Tramandaí. Mas elas voltavam para a caixa depois de lavadas.





Foto 10: preparando a mesa para o Chá da ABTP, em 2019.
Foto 11: mesa com convidadas no chá do Março por Elas, em 2023.
Fotos 12 e 13: chá da Liga, em 2023.

Finalmente, em março de 2025, ao nos mudarmos para Capão da Canoa, mandamos fazer uma cristaleira. Mas é pequena, não caberiam as 20 xícaras. Aí veio a decisão de expor apenas 10 (dez) e deixar que as outras 10 (dez) fossem ornamentar outras casas.




 Foto 14: Nossa cristaleira com as xícaras em Capão da Canoa (2025).


A venda foi tão rápida que nem deu tempo de me arrepender! Na verdade, eu planejei mais esse desapego, afinal, não devemos manter o que não nos é útil, ou o que ocupa o lugar de outras coisas. Sejam livres, minhas xícaras! E façam felizes as pessoas que agora as têm!


Foto 15: As xícaras que eu vendi (2025)


quinta-feira, 20 de março de 2025

A FORMATURA


 Foto de Iuri Gavronski


Por Nara Maria Müller

 Do alto daquele palco, sentada à mesa de formatura eu posso ver os formandos.

Dali eu posso ver uma pequena multidão sentada naquele auditório abafado, todos emocionados e felizes.

Dali eu também posso ver a corrida frenética e cuidadosa dos fotógrafos e cinegrafistas. Afinal, nenhum movimento pode ser perdido!

Alguns bebês de colo sendo chacoalhados por seus pais para que ficassem comportados.

Comportados estavam muitos idosos, e lá pelas tantas uma senhora entra auxiliada por um andador, ladeada por duas pessoas que a protegem e orientam-lhe o caminho.

Formandos recebem seus canudos; ouvem-se os discursos emocionados das oradoras e o juramento da turma. Ah, o juramento! Ele é proferido automaticamente e eu sempre penso: Quantos se concentram no que estão dizendo?

Chega aquele momento emocionante de entregar uma flor aos familiares: pais, esposos e esposas, namorados e namoradas, alguns avós.

Um músico surge tocando Aleluia. Formandos andando em meio aquela pequena multidão, procurando pelos seus amados. E os amados ali, de pé, esperando pelo abraço e pela flor... Abraços, choros, sorrisos... Quantas histórias, fatos e lembranças passam pelas mentes de cada pessoa! Ah se pudéssemos escutar cada um desses pensamentos!

Assim são as formaturas com seus rituais semelhantes, mas únicos porque cada pessoa traz sua própria história, suas próprias dores, seus próprios desafios vencidos e suas esperanças de que agora tudo será melhor.

E eu, dali de cima do palco, à mesa da formatura, sempre me emociono, sempre choro e sorrio e sempre desejo que, de agora em diante, a vida desses formandos seja de sucesso e de mais conquistas.

Porque a vida segue, as pessoas correm, a concorrência cresce e sempre é preciso ser e saber mais.


terça-feira, 18 de março de 2025

As crônicas de Nara - parte V

 

Imagem de Lukas Kloeppel - Pexels.com


NEW YORK, NEW YORK – a cidade que nunca dorme

Nova Yorque, nos Estados Unidos é um dos destinos mais procurados por quem quer viajar para aquele país. Diferente de Orlando, onde fica a incrível Disneylândia, Nova Yorque é um destino especial para quem deseja fazer compras. Tudo o que tem de mais moderno, tanto no mundo da moda, quanto na tecnologia, parece ser lançado por lá, antes de ir para o resto do mundo.

O famoso cantor norte-americano, Frank Sinatra – falecido em 1998 - cantava, lindamente uma música que homenageia Nova Yorque: a cidade que nunca dorme.

Nova Yorque também foi o palco da conhecidíssima série Friends, que agitou o mundo durante suas 10 temporadas. Quem não lembra do Café Central Perk e do charmoso apartamento da Mônica Geller?

Não sei vocês, mas eu sempre sonhei em conhecer Nova Yorque, ver a Estátua da Liberdade, badalar pela cidade, visitar o Central Park e, é claro, fazer compras.

Bem...eu preciso contar que estive duas vezes em Nova Yorque, mas nenhuma dessas visitas teve o glamour que eu esperava. O máximo que eu consegui comprar por lá foram alguns cafés, uma banana, uma maçã, talvez um donut¹ e um chocolate.

Minha primeira viagem a Nova Yorque

Meu marido costumava participar de congressos científicos nos Estados Unidos, uma ou duas vezes por ano e eu nunca tinha oportunidade de acompanhá-lo devido ao meu horário de trabalho. Mas num dado momento da vida profissional, eu resolvi me tornar dona do meu tempo. Minha primeira viagem aos Estados Unidos, com o Iuri foi em novembro de 2015, para Seatle. Como eu decidi meio em cima da hora, não consegui mais viajar nos mesmos voos que ele, nem na ida e nem da volta. Cheguei um dia depois dele e voltei um dia antes. E o voo de volta tinha uma parada em Nova Yorque. Eu chegaria ao aeroporto da cidade que nunca dorme, às 5 horas da manhã e meu voo para o Brasil sairia somente às 22 horas. Um dia inteiro em Nova Yorque! Seria essa a minha grande oportunidade?

Como eu já tinha concluído duas formações em Coaching e queria publicar uma reportagem numa revista especializada, aqui no Brasil, eu programei uma entrevista com um coach novayorquino. Nos encontraríamos num Co-working, mas um dia antes de eu chegar ele cancelou o encontro por motivos de saúde na família. Fiquei chateada, mas compreendi a situação e a entrevista aconteceu por e-mail.

A viagem de Seatle até Nova Yorque foi muito cansativa e, ao chegar, imediatamente tentei embarcar minha mala grande, mas como meu voo seria somente muito mais tarde, não me permitiram fazer o checkin. Aliás, eu não podia nem ter acesso à parte nobre do aeroporto. Tinha que ficar ali, no andar térreo, até, pelo menos às 17 horas. Procurei um lugar para guardar as malas. Pensei em dar um passeio pela cidade, mas o guarda-malas só abriria lá pelas 7h30min e não aceitava pagamento em cartão de crédito. Eu não tinha sequer um dólar em espécie e os saques pelo cartão de crédito eram proibitivos, dado o valor absurdo da taxa cobrada.

E lá estava eu, com sono, com fome e com aquelas duas malas: uma grande, aquelas de 32 quilos, sabem? A outra era um pouco menor e ainda tinha mais uma mochila com meu netbook e outras coisinhas. Eu sentava aqui, sentava ali, me escorava sobre as malas e cochilava um pouco, procurava, em vão, um lugar onde pudesse acessar uma rede wifi. Imaginem só, a minha situação de estar longe do meu mundo conhecido e sem qualquer meio de comunicação com esse mundo! Eu estava incomunicável com qualquer familiar e aquele lugar era horrível, cheio de pombos comendo as migalhas de comida pelo chão, fazendo suas necessidades em qualquer lugar. Taxistas e motoristas de Uber discutindo, gente andando para lá e para cá. Ao longo do dia eu tomei uns dois cafés pequenos – quem conhece os cafés pequenos nos Estados Unidos sabe que são grandes para nossos padrões. Por lá, eles não têm nem ideia do que seja um “cafezinho”. Vocês conseguem imaginar isso?  Comi uma banana daquelas enormes, pagando 1 dólar, cada, depois foi um biscoito, um sanduíche, uma maçã... Pelo menos as cafeterias aceitavam cartão de crédito.

Fiquei 12 horas naquele submundo de Nova Yorque, indo ao banheiro com toda aquela bagagem... Um sufoco. Sabem como são aquelas cenas daquelas comédias em que os protagonistas são expostos a situações estressantes e se metem em trapalhadas? Pois bem, assim foi o meu dia em Nova Yorque.

Finalmente, às 17 horas eu fui para o paraíso do aeroporto, pude subir para a área nobre e fazer o checkin. Me liberei da mala grande e entrei numa lojinha perguntando para a atendente onde eu conseguiria acesso à rede wifi. Precisava mandar notícias para o Iuri e para a família. Nos aeroportos brasileiros a gente tem internet grátis, pelo menos por uma hora. Mas não era o caso lá em Nova Yorque. A moça disse que eu não encontraria wifi gratuito no aeroporto. Eu contei meu drama para ela que, compadecida, pediu que eu lhe entregasse o meu celular. Discretamente, ela digitou a senha da loja, cuidando para o proprietário não ver. Fiquei tão agradecida que até comprei um chocolate na loja. Sabem quando a gente tem aquela sensação de ter sido salvo e que deve sua própria vida a alguém? Saí dali e me sentei no lugar mais próximo, onde ainda conseguia manter o acesso à internet. Toda a família estava preocupada com a minha falta de notícias o dia inteiro, mas tudo acabou bem. Embarquei no meu voo para o Brasil e viajei até São Paulo. Acho que dormi a noite toda!

No aeroporto de São Paulo – não lembro se era Guarulhos ou Congonhas, eu encontrei o Iuri que pegou um voo umas 12 horas depois de mim, mas não teve que ficar aquelas horas todas preso no porão do aeroporto de New York.

Enfim, quando a gente faz coisas sem planejar antecipadamente, tem que se contentar com o resultado, que, nem sempre é tão glamouroso quanto poderia ser.

 

Minha segunda viagem a Nova Yorque

Maio de 2019, nossa última viagem internacional antes da pandemia. O destino era Boston, nos Estados Unidos, onde Iuri e eu participaríamos de um congresso de Administração.

Nossa primeira parada foi em Nova Yorque, aonde chegamos em torno de 10 horas da manhã. O voo para Boston só sairia às 17 horas, mas deveríamos tomar um trem para ir de um aeroporto para o outro. A estação era bem pertinho do Central Park e o Iuri me convidou para dar uma caminhada até o parque. Cada um de nós carregava uma mala daquelas grandes e duas bagagens de mão. Eu recusei o convite pois já sabia como era ruim caminhar por horas puxando aquela bagagem toda. Então ele me convenceu a dar uma caminhada por algumas quadras e acabamos fazendo um lanche, ao meio-dia, num Mc Donalds. A refeição demorou mais tempo do que prevíamos e o tempo ia passando. Caminhamos o mais rápido possível até a estação e o Iuri correu até a bilheteria, enquanto eu fiquei pertinho dos portões com as duas malas grandes e as bagagens de mão. Assim, ele poderia correr por dentro da estação, que era enorme. Ele demorou um tempão até retornar e me entregou meu tíquete. Correu com as suas malas e bagagens e cruzou a catraca. Eu passei o tíquete, mandei as duas malas e a catraca trancou. Para passar para o outro lado, eu precisaria de outro tíquete e não dava mais tempo de voltar e comprar. Fico pensando em quantas pessoas já passaram por esse infortúnio que eu estava passando. Seria eu a única tola no mundo?

O Iuri, apavorado me disse: “pula por cima da catraca!” Eu dizia que não pularia, pois haviam seguranças olhando e eu não queria ser presa em Nova Yorque. Mas a pressão era grande e eu pulei sobre a catraca, sob os olhares dos seguranças. Acho que eles ficaram penalizados e fizeram de conta que não tinham visto. Mas eu lembro de dizer para o Iuri que ele não deveria ter feito isso com uma mulher de 60 anos de idade. Hoje eu me arrependo de não ter deixado ele tirar umas fotos daquela cena, porque deve ter sido muito engraçada!

O ônibus atrasou, nós atrasamos e perdemos o voo para Boston. Ficamos sabendo que havia um voo cancelado naquele mesmo dia e que a lista de espera por vagas nos próximos era imensa. E, é claro, os passageiros do voo cancelado tinham prioridade. Nos aconselharam a ficar num hotel e voltar na manhã seguinte, mas nós tínhamos que estar em Boston, na manhã seguinte. Além disso, como professores universitários, nossas verbas eram restritas e todos os gastos extras estavam fora de cogitação.

Acho que conseguimos despachar as malas grandes e ficamos somente com as duas bagagens de mão - cada um de nós com as suas. Entramos na sala de embarque e, a cada voo para Boston, ficávamos aguardando a possibilidade de embarcarmos. Pensem numa mulher furiosa com o marido! Essa mulher era eu. Mais uma vez, Nova Yorque tinha sido hostil comigo.

Lá pelas tantas o Iuri me perguntou se eu queria um lanche e eu disse que não queria coisa alguma. Ele foi comprar algo e me trouxe um chocolate. Nem lembro se eu aceitei ou não – hehehe.

Era quase meia noite quando anunciaram a partida dos dois últimos voos para Boston. Iuri conseguiu vaga num deles e eu no outro.

As viagens são assim mesmo. Mesmo planejadas, às vezes surgem infortúnios, mas o jeito é encarar com leveza que tudo dá certo no final.

O engraçado é que quando a gente sabe que alguém vai viajar para o exterior, costuma pensar que tudo será maravilhoso, não é mesmo? E, na maioria das vezes, mesmo que algumas coisas deem errado, dificilmente eles nos contarão.

¹Um donut, doughnut, dónute, rosca ou rosquinha é um pequeno bolo em forma de rosca, popular nos Estados Unidos e de origem incerta. Consiste numa massa açucarada frita, que pode ser coberta com diversos tipos de cobertura doce e colorida, como por exemplo chocolate. Wikipédia

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

As Crônicas de Nara - parte I


As protanogistas desse abraço somos a Ana e eu. Quem é a Ana? Ela é uma amiga daquelas que se guarda no coração, por toda uma vida. A Ana é a minha homenageada na primeira crônica que escrevi para o meu futuro lançamento literário. 

Que todos tenhamos muitas Anas em nossas vidas!

AS SOPAS DA ANA

Por: Nara Maria Müller

“Amigo é coisa prá se guardar do lado esquerdo do peito.” Essa frase inesquecível faz parte da música cantada, tão lindamente, pelo nosso querido Milton Nascimento. E eu acredito que todos nós temos ou já tivemos um amigo do tipo que se guarda no lado esquerdo do peito, dentro do coração. Você concorda comigo? Pois bem, neste texto eu quero relembrar e homenagear uma amiga lá de Taquara, que guardo, com muito amor, dentro do meu coração.

Lá pelos anos 2000 eu comprei meu primeiro apartamento, em Taquara. Eu já tinha cometido alguns erros, passado por várias dificuldades e continuava contando moedas e anotando minhas contas numa velha agenda, para honrar as dívidas e para comprar o pão de cada dia.

Naqueles dias eu tinha conseguido uma nova oportunidade de carreira na FACCAT – Faculdades de Taquara, onde eu trabalhava e cursava o Mestrado.

O salário aumentara consideravelmente, mas eu tinha que pagar dívidas contraídas nos dois anos anteriores, logo depois do divórcio. E, para poder assumir o novo cargo eu tive que comprar um carro, ou seja, mais dívidas, mas isso eu conto em outra história.

Mudei-me para o Edifício Gabriela, bem no centro da cidade. O meu apartamento ficava no quarto andar de um prédio sem elevador, mas com dois dormitórios e uma vaga na garagem. Eu tinha certeza de que tudo melhoria dali para a frente.

Foi nesse período que eu conheci a Ana, a vizinha que morava no mesmo prédio, com sua filha, Natália e o TOB, o cachorrinho poodle. Nossos apartamentos eram de fundos, o dela no terceiro e meu no quarto andar.

Eu trabalhava três turnos na FACCAT e, nos fins de semana, fazia minha dissertação de Mestrado. Vez por outra eu participava de reuniões em Porto Alegre, no Centro Administrativo do Estado, na extinta SEDAI – Secretaria Estadual do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais.

Voltando de Porto Alegre eu ia direto ao Campus da FACCAT onde atendia alunos de Trabalho de Conclusão em Administração. Voltava tarde, depois das 22h30min, estacionava o carro na minha vaga nos fundos do prédio, extremamente cansada. E ao desembarcar do carro, lá estava a Ana, na janela do seu apartamento no terceiro andar, dizendo: “vem tomar uma sopinha que eu fiz para te esperar!”

Não tenho palavras que consigam expressar o meu sentimento naqueles momentos! Eu sentia o amor que a Ana tinha por mim, ela e a sua filha Natália. E eu subia as escadas com ânimo, sabendo que lá no terceiro andar estavam duas pessoas amorosas e um cachorrinho barulhento fazendo festa para mim. Aquelas sopas da Ana são inesquecíveis assim como ela, a Ana é inesquecível. Eu escrevi este texto para homenageá-la e para demonstrar meu mais profundo agradecimento a ela que me acolheu, que me ouviu, que me aconselhou e que compartilhou choros e risadas comigo. Hoje, raramente nos vemos, mas eu sinto muitas saudades dessa minha amiga querida!

Neste momento eu ouso questionar: quem já não teve uma Ana em sua vida? Quem de nós já não foi essa Ana na vida de outrem? Amigos são irmãos, são pais, são mães que nós escolhemos ou que nos escolheram. Amigos são aqueles anjos que estão, uns nas vidas dos outros, para saborear os bons momentos ou para chorar juntos, quando os tempos são ruins.

Que possamos ser mais amorosos, mais pacientes e mais ouvintes das pessoas que nos cercam. Que este mundo tenha mais Anas!