terça-feira, 30 de outubro de 2007

Leite adulterado

Desde que larguei a mamadeira, quando ainda era bem pequenina, abandonei também o leite - não suportava tomar leite na xícara com aquela nata toda por cima. Por outro lado, eu acho lindo ver alguém tomando um copo de leite, ver aquele "ouro branco" escorrendo da jarra para o copo. Meus filhos foram criados com bastante leite, afinal de contas, é um alimento completo e muito saudável. Será?

Há dois anos eu tenho me dedicado ao estudo da gestão da produção leiteira, através de um programa de desenvolvimento sustentável que havia em minha cidade. Aqui no Canadá, venho participando de congressos relacionados ao leite e agronegócios e visitado fazendas de leite (já escrevi vários posts sobre o assunto).
Em Taquara, aqueles amigos que me conhecem há mais tempo e sabem da minha "aversão" a tomar leite, brincam comigo dizendo: "Qualquer dia desses nós vamos ver uma propaganda da Nara tomando um copo de leite e fazendo aquela carinha de felicidade!" Eu sempre respondo que eu gosto muito de leite, mas como um "negócio" que deve gerar lucro. O máximo que eu consigo é tomar um yogurtezinho de vez em quando, como mostra a foto ao lado, tirada durante o Congresso Panamericano do Leite em Porto Alegre, em junho de 2006. (risos)

A história nos conta que no passado a maioria dos produtores de leite adulterava o produto, adicionando água para aumentar a quantidade vendida. De vez em quando ainda se ouve relatos sobre o assunto, mas acredito que isso tenha se reduzido bastante devido à fiscalização intensiva que é feita pelos agentes de segurança alimentar em suas diversas instâncias. Será?

Em agricultura e pecuária, não sei se por ironia do destino ou por maldosas intenções, sempre que um produto começa a melhorar em qualidade e começa a ter mais peso no PIB, alguma coisa acontece para acabar com a alegria dos produtores.

De todos os produtos agropecuários, me parece que o leite sempre é o menos valorizado e é o que passa por crises mais freqüentes. Agora surge esse escândalo de adulteração de leite com soda cáustica, água oxigenada e sabe-se lá quantas coisas mais. Em princípio duas cooperativas são apontadas: a Casmil e a Coopervale, ambas de Minas Gerais. Os funcionários das cooperativas acusadas afirmam que os fiscais faziam vistas grossas para a fraude - como pode?

Como é que a gente vai conseguir criar uma imagem séria do nosso país e dos produtos nele produzidos, se gentinha como essa anda solta por aí adulterando nossos alimentos? Nós mesmos não podemos confiar no que comemos ou bebemos! Como ter certeza, nos próximos dias, de que o leite que estamos dando aos nossos filhos não contém soda cáustica?

Quando eu digo que gosto muito de leite como um negócio que deve gerar lucro, não aceito a hipótese do lucro a qualquer preço, principalmente quando envolve a saúde humana.

Na sexta-feira, dia 2 denovembro, eu vou conhecer a sede do escritório principal da Associação dos Produtores de Leite de Ontário e vou entrevistar o diretor de comunicação dessa organização. E se ele me perguntar sobre o escândalo da soda cáustica? Vou tentar responder: "Sempre tem gente má envolvida em qualquer setor de negócios ou na política, mas nem todos são assim..."

Eu ainda acredito nisso, mas vocês acham que eu vou convencê-lo? Não sei... Vou sentir vergonha, com certeza.

Veja essa reportagem:

sábado, 27 de outubro de 2007

Honours

Uma coisa que eu não conseguia entender era o tal de "honours", que é uma instituição típica nas universidades americanas e canadenses. Nós temos, no Brasil, "formar-se com distinção", que é quando o aluno atinge certos critérios de excelência (em geral, suas notas ao longo do curso). Quando estávamos fazendo as disciplinas do doutorado, tínhamos um hábito bacana (não estou usando o plural majestático, era um hábito de quase todos): quando íamos moderar a discussão de uma pesquisa, antes fazíamos uma breve explicação de quem era o autor da pesquisa, seu currículo, outras pesquisas importantes que ele havia feito, etc. E aparecia o tal do "honours" na graduação dele. Eu achava que era a distinção.

Quando cheguei no Canadá, comecei a me dar conta que honours não é distinção: é como se fosse um tipo diferente de curso. Mas ninguém me dava uma explicação satisfatória. Para aumentar ainda mais minha confusão, a graduação em administração na Ivey se chama HBA (honour in business administration) e dura dois anos. Estava feito o embrulho.

Ontem conheci um professor brasileiro que trabalha no departamento de economia da Western. Ele é formado pela PUC-RIO e fez mestrado lá mesmo, e depois foi fazer doutorado na Pennsylvania (quase perguntei para ele dos red maples, hehehe). Eu tinha uma dúvida bem pontual que fui perguntar para ele (explico depois em outro post), mas batemos um longo papo, e acabei descobrindo o que é o tal de honours.

Funciona assim: o aluno entra na universidade e pode obter um diploma universitário em até três anos. Sai formado e pode procurar trabalho, como economista, psicólogo, geógrafo ou qualquer outra coisa. Detalhe: parece que é comum, no Canadá, um salário inicial de 30 mil dólares por ano para alguém formado, a não ser que seja formado na Ivey. Tem alunos aqui que saem da graduação ganhando 75 mil/ano. Isso talvez explique a procura pela Ivey.

Bom, mas o aluno, dependendo de suas notas, pode optar por ingressar no honours. Ou seja, os melhores alunos tem a opção de fazer um curso de graduação "diferente", dentro da mesma universidade. O honours então dura 4 anos. E aí tem o lado perverso da coisa. Se o menino que faz graduação (sim, eles são bem novos), com seus 19-20 anos, optar por não fazer o honours ("quero me formar logo e ir trabalhar"), está com seu futuro profissional bastante comprometido. Para trabalhar no governo, por exemplo, muitas vezes eles exigem que o candidato tenha mestrado/doutorado. Só que os programas de pós-graduação, em geral, só aceitam quem fez o honours. Ou seja, quem não fez o honours aqui fica com um diploma "de segunda classe", emitido pela mesma universidade que forma os mais destacados profissionais.

Na Ivey, não existe o "não-honours". Todo mundo que faz a graduação faz o HBA, que é como se fosse uma marca registrada da Ivey. O honours em administração, por exemplo, da HEC Montreal, não se chama HBA. Para entrar no HBA, o aluno tem que ter 2 anos em outro curso universitário qualquer, até de outra universidade, e aí se forma em 2 anos de curso. Disse esse professor da economia que os melhores alunos dele (ele ministra microeconomia para o segundo ano do curso) vão tentar o ingresso na Ivey, que é super-competitivo. Ou seja, pode ter 2 anos de qualquer curso, mas provavelmente se não foi um bom aluno de economia na Western, as chances caem bastante... Isso também explica um pouco como a Ivey consegue fazer um curso exclusivamente com estudos de caso: as disciplinas teóricas foram todas feitas fora da Ivey. Eu ficava imaginando, antes de vir para cá, como o aluno podia aprender microeconomia ou matemática com estudos de caso, já que a Ivey é conhecida por ensinar exclusivamente com esse método. Descobri: eles não oferecem disciplinas básicas, o aluno tem que vir com esse conhecimento já previamente apropriado.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Encontrando problemas ambientais

Quando cheguei aqui, comecei a procurar disciplinas para fazer. Não há porque fazer isso, por dois motivos. Primeiro, eu já tenho os créditos necessários para conseguir o título de doutor, e a estratégia mais adequada para chegar ao fim dessa tortura é a QSP (quantidade suficiente para...), ou seja, fazer apenas o necessário e não o desejável. O desejo de todo mundo que faz doutorado é aprender tudo o que puder... o que não é possível. Segundo, estou aqui como visitante, o que não me habilita a cursar disciplinas.

Mas uma coisa é a regra e outra coisa é ser brasileiro. Eu sempre tive vontade de cursar uma disciplina de estatística em um doutorado daqui. Não que as disciplinas no Brasil sejam ruins ou fracas. Apenas tem outra abordagem para a coisa. Eu queria ver o outro modo de ensinar e aprender deles.

Tentei por tudo encontrar uma disciplina de estatística por aqui. Não que as disciplinas mais teóricas não sejam importantes. Mas posso baixar os artigos ou ler na biblioteca e tirar minhas próprias conclusões. Não encontrei nenhuma disponível: na sociologia, o professor vai entrar em sabático, na psicologia, eles só vão oferecer no inverno, na economia, eles estão com a turma cheia (20 alunos), e assim por diante... Meio que por acaso, me mandaram uma oferta de uma disciplina de "estatística espacial", pasmem, na faculdade de estatística. Não queria fazer aulas na estatística por uma série de motivos: minha formação matemática não é tão sólida assim (a última integral de que lembro foi uma farinha integral que usei para fazer pão...), e os estatísticos muitas vezes "babam na gravata", quer dizer, têm um conhecimento tão avançado que nós, meros mortais, não conseguimos aplicar em absolutamente nada de útil... enfim, nossos probleminhas banais de negócios.
Fui lá, muito humildemente, e pedi para assistir como ouvinte. Os professores deixaram, e lá estou eu indo às aulas. São três alunos: dois da matemática aplicada e eu, patinando para entender a notação matemática... não lembro direito nem como se chamam as letras gregas (uma heresia para eles).

Primeiro exercício: o professor pegou uma base de dados de árvores em três estados americanos (Pennsylvania, Virginia e West Virginia). Eu fiquei com a Pennsylvannia. Nossa missão: encontrar padrões irregulares de ocorrência de maples vermelhos (Acer rubrum). Essa árvore tinha uma incidência razoavelmente baixa nos estados americanos do norte antes da colonização européia, e agora têm incidências mais altas. No meu estado, o red maple até era a espécie dominante, mas tinha 20% de incidência. Hoje é 22% de todas as espécies. Empregamos uma técnica chamada spatial scan statistics (estatística de varredura espacial) para identificar áreas onde a ocorrência da espécie é anômala. Depois de obtidas essas áreas, pudemos utilizar um sistema de informações geográficas (GIS) para sobrepor outros mapas e tentar imaginar o que estava acontecendo. Eu achei, por exemplo, uma estranha coincidência entre áreas de mineração de carvão no estado, e zonas de preservação ambiental, com essa ocorrência fora do normal.

Ainda estou engatinhando nesse tipo de técnica, mas achei incrível o poder que ela tem para identificar "focos" de fenômenos estranhos. Bem, ela foi desenvolvida inicialmente para identificar focos de câncer... as aplicações em outras áreas do conhecimento são inúmeras: é só ver o site http://www.satscan.org para ficar de queixo caído: criminologia, estudos de desenvolvimento regional, na área florestal, da saúde, meio ambiente.

Mais uma ferramenta para a maleta... Talvez eu não use essa na tese, mas quem sabe um dia... talvez nem sempre a QSP seja a melhor estratégia. Talvez exista vida depois do doutorado.

***

Abaixo, um dos mapas que obtive com a técnica. Dá para ver bem claramente uma área ovalada, ao norte do estado, onde a ocorrência é anormal. Outras análises que eu fiz encontraram focos menores, em que a ocorrência de red maple chega a 44%, o dobro da média estadual.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Blogs ambientais

Hoje eu entei no blog para publicar um post e apareceu um "anúncio" para outro blog que eu achei interessante. Na verdade, é uma lista de blogs ambientais, todos em inglês:

http://buzz.blogger.com/2007/10/environmental-blog-roundup.html

Ainda não consegui ler esses blogs da lista, mas vou tentar tirar um tempo e ler.

Fiquei me perguntando: será que tem blogs assim em português?

O onipresente computador

Hoje estava vindo de bicicleta para a universidade quando vi um aparelho de som no lixo. Era um receiver JVC, meu sonho de consumo nos anos 80/90. Quase juntei e levei para casa. Não é porque esteja faltando música aqui. Para reduzir o peso na viagem, eu converti vários de nossos CDs em MP3, e escutamos no computador.

Confesso que ando meio enjoado do computador. Tudo é no computador: ouvir música, ler livros (em formato PDF), ver fotos (da câmera digital). Além disso, tenho usado o Skype para ligar para o Brasil e para o Canadá, pois sai muito mais barato, mesmo comprando os créditos do Skype para ligar para telefones convencionais.


Hoje estava aqui no escritório na universidade. Tenho um telefone Meridian aqui na mesa (ver foto). É um ramal digital. Para quem não é do ramo de telecomunicações, eles são bem mais caros que os ramais "normais", aqueles que tem os telefones antigos ligados. Nas empresas em que trabalhei, esses ramais iam só para a mesa dos bacanas. No Canadá, esses telefones estão em qualquer biboca. Bom, de qualquer maneira, é um ramal digital: tem identificação de chamadas, dá para ver o número para o qual vai se discar, enfim, não é dos piores. Eu tinha que ligar para umas 6 empresas canadenses. Eu mandei os questionários para elas e tinha um pequeno detalhe que eu tinha que comunicá-las. Não é que eu achei estranho ligar do telefone convencional? Achei muito primitivo ter que cancelar a ligação caso tenha teclado um número errado. No Skype, se eu errar um número, teclo "<-" e arrumo... Definitivamente, estou precisando voltar ao "mundo normal"...

sábado, 20 de outubro de 2007

Agora eu tenho um número no Canadá

No mesmo dia em que chegou nossa confirmação de reserva de vôo para voltarmos ao Brasil, eu consegui obter o meu SIN Canadense: Social Insurance Number - registro no Sistema de Seguridade Social. Como eu tenho visto de estudante, só posso exercer funções remuneradas se estas forem no campus universitário.
Há alguns dias ficamos sabendo que haviam vagas para Exam Proctor (fiscal de provas) do Programa de Graduação em Administração da Ivey Business School da University of Western Ontario.
Me inscrevi, enviei meu curriculum vitae e fui chamada para uma entrevista, no dia seguinte, com a diretora do Programa. Depois da entrevista, tive que providenciar meu número nesse sistema de seguro social canadense. Hoje à tarde eu juntei os documentos requeridos e levei até o escritório londrino de Recursos Humanos do Canadá. No escritório, fui entrevistada por uma oficial e, em poucos minutos, já estava com meu número de registro. Simples e rápido como estalar os dedos.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Faltam 3 meses!

Hoje pela manhã, antes de sair de casa, fui conferir os emails. Recebi uma ótima notícia: o CNPq (órgão do governo brasileiro que paga minha bolsa de estudos no Canadá) fez as reservas de nosso vôo de volta.

Saímos daqui dia 18 de janeiro, uma sexta-feira, e chegamos ao aeroporto de Porto Alegre dia 19, final de tarde. Na verdade, como vai ser o auge do verão, acho que ainda vamos ter umas horas de sol ainda depois de pousarmos, se o vôo não atrasar.

Essa notícia foi muito boa! O Canadá é muito bacana e tudo, mas estou morrendo de saudades "do pessoal lá de casa" e não vejo a hora de voltarmos.

Talvez tenhamos que começar a pensar no que vamos fazer com nosso blog. Se mantemos depois de voltar, e aí ele vira o blog do Iuri e Nara "seja lá onde for" ou "congelamos" o blog para mostrar para os netos.

FHC na Western

Ontem foi o Brazil Day colloquium na University of Western Ontario. Recebemos o convite para assistir ao palestrante, um ilustre sociólogo brasileiro, o Dr. Fernando Henrique Cardoso.

Eu e a Nara fomos lá. Ele falou por uma hora, depois respondeu a uma hora de perguntas. Era um formato de mesa "redonda". Era uma mesa retangular, na verdade. FHC sentou na ponta, tinha convidados de outras universidades sentados à mesa com ele e nós sentamos em cadeiras dispostas atrás deles. Era um pequeno ambiente. Eu a Nara sentamos perto do FHC, eu estava a menos de 2 metros dele. Tanto que uma vez eu "pensei em voz alta" e ele me perguntou o que eu havia dito. Era totalmente acessório à fala dele, mas... Ele recapitulou a história política do Brasil pós-64 e quando ele falou no Collor, referiu-se a uma frase famosa em que FCM disse ter apenas uma oportunidade para debelar a inflação... lembrei da frase "uma bala só" e saiu boca a fora. Ele virou e perguntou que eu havia dito. "Only one bullet" - respondi.

É difícil, pelo menos para mim, ouvir a história das Diretas Já, Tancredo, Sarney, Collor, Topet... quer dizer... Itamar, FHC e Lula sem me emocionar um pouco. Vivemos tudo isso. Alguém já disse uma vez que ser brasileiro é ter esperança. Sempre temos esperança que melhore, umas vezes de forma mais viva que de outras.

Ouvir o FHC falar tão candidamente de como funciona o processo de formação do Congresso Nacional é duro e ao mesmo tempo esclarecedor. Ele muito calmamente explicou a forma e a razão pela qual os candidatos a deputado disputam de forma acirrada com seus próprios colegas de partido, de como ocorrem as disputas de poder e de influências e de como os partidos são tudo, menos um corpo que abriga linhas ideológicas. Quando chegam ao Congresso, ao invés de companheiros de partidos e representantes do povo, os congressistas são inimigos entre si, mesmo sendo de mesmo partido.

Finalmente, ele fez uma conexão que eu nunca havia pensado. Faz muito tempo leio textos de sociólogos que falam na sociedade pós-moderna e fragmentada, onde o conceito de grupo social faz cada vez menos sentido, pois não há uniformidade suficiente para haver tal grupo. Ele, felizmente, não falou em "pós-modernidade" - aliás, detesto essa expressão. Mas disse que com a fragmentação da sociedade, cada vez mais o conceito de "representante" faz menos sentido. Ou seja, se não há mais grupos sociais homogêneos, o deputado é representante de quem? Isso é uma idéia nova, ou uma conexão nova com uma idéia nem tanto, que por si já é algo. No Brasil, diz ele, nem o deputado sabe quem votou nele, nem o cidadão sabe mais, depois de dois dias, em quem ele votou. Ou seja, o deputado não se sente cobrado pelo povo nem o povo sabe mais de quem cobrar.

***

Ouvindo o FHC senti-me um pouco mais tranqüilo. Por dois motivos. Um deles é totalmente pessoal. Ele fala inglês com sotaque. Apesar de falar inglês claramente, a fala dele é entremeada de "né", "ó", "assim"... que nem eu! Se alguém com a corrida dele fala assim, fiquei um pouco mais calmo e me achando menos burro por, em meia dúzia de meses no Canadá, ainda ter esses problemas quando falo. Aliás, tenho pensado muito seriamente na possibilidade de carregar no sotaque estrangeiro quando falar, porque acho que além de dar um certo charme, ainda pode fazer os interlocutores entenderem que tenho falhas de vocabulário por ser estrangeiro. Melhor do que parecer idiota ou iletrado.

O outro motivo é mais pessoal ainda. A Nara e eu estávamos bem nervosos antes de ir, não sabíamos bem que roupa vestir nem como nos comportarmos lá. Chegamos lá de táxi, estava chovendo, e entramos no prédio da University College (o prédio alto, com a bandeira do Canadá, que fica em frente à Ivey). Chegando lá, lembrei que precisava pegar umas coisas na Ivey. Fui até lá e deixei a Nara esperando. Quando voltei, para minha surpresa e felicidade, ela já estava enturmada com as pessoas que estavam esperando por lá. Conhecemos outros brasileiros no Canadá. Alguns doutorandos fazendo estágio como eu, outros professores trabalhando em universidades canadenses, o vice-cônsul do Brasil no Canadá, e assim por diante. A Nara, popular como sempre, já estava conversando com algumas pessoas e eu com outras, e me apercebi que, apesar de não termos nascido em berço de ouro, temos educação suficiente para "sobreviver" socialmente em situações um pouco mais extremas como essa.

O que é uma teoria?

Hoje o seminário de pesquisa foi sobre um tema "pastoso": criação de teoria.

O visitante é professor da Emory University, nos Estados Unidos: Ajay K. Kohli. A grande contribuição dele foi ter sido um dos autores da orientação para mercado (MARKOR), talvez uma das teorias mais influentes de Marketing nos anos 90. Ele começou dizendo que a frase que mais incomoda ele é "isso até pode ser na teoria, mas na prática não funciona...". Se teoria serve para explicar a realidade, como não pode funcionar na prática?

Foram uma hora e meia de "bate papo". Esses seminários de sexta-feira são muito legais, porque são bem informais. Eu já havia falado sobre dois deles, que eram sobre "greenwashing". O de hoje foi bem mais informal, pois não tinha um artigo para ler antes. O professor chegou "de peito aberto" e uma apresentação com meia dúzia de slides.

Tinha uns 20-30 doutorandos assistindo, bem como uns 10 professores da Ivey. Uma turma bem eclética, e que gerou um debate bem intenso. Como posso explicar... não foi um grande salto no que eu já sabia sobre construção de teoria, mas eu aprendi uma coisa que valeu. A comparação que eu fiz foi a seguinte: é como se meu conhecimento sobre o assunto fosse um piso bom, mas que tinha um "calombo" que sempre atrapalhava quando se passava por ali. Hoje, nesse seminário, eu fiz uma pergunta, que apesar de errada conceitualmente, resolveu esse "calombo".

E isso vinha incomodando, sabe? Meu projeto de pesquisa, que apresentei e defendi antes de vir para o Canadá, tinha esse problema. Um dos professores da banca comentou, mas eu saí ainda na dúvida de como resolver. Hoje "caiu a ficha".

Às vezes, precisa mais que uma martelada para arrumar um calombo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Produção Leiteira no Canadá

Nós já fizemos alguns posts sobre a produção de leite no Canadá, mas sei que estou devendo maiores detalhes sobre as práticas canadenses de "tirar leite de vaca" com maior produtividade e lucro.

Algumas características importantes diferenciam as práticas do Brasil e do Canadá em relação à produção de leite ou dos demais produtos do setor agropecuário. O clima é uma dessas características: durante alguns meses, a terra em Ontário é coberta por neve, a temperatura oscila entre +30ºC e -30ºC, que inviabiliza o uso constante de pastagens e a criação extensiva.

Com relação às diferenças climáticas entre o Brasil e o Canadá e sua influência nas formas de manejo do gado leiteiro, posso dizer que o sistema utilizado aqui é o de confinamento, com raras exceções em que as vacas são levadas às pastagens, durante o período de verão. Como o inverno é muito rigoroso por aqui e a neve cobre totalmente os campos canadenses, o rebanho permanece confinado em grandes e confortáveis estábulos, prioritariamente os freestalls, ou baias abertas, proporcionando às vacas liberdade de circulação. Esses estábulos são bem arejados e todas as aberturas são cobertas por telas - assim como as residências humanas. Na parte externa dessas aberturas, há cortinas suspensas durante o verão, que são rebaixadas quando o frio chega. Assim o gado permanece em temperatura agradável durante todo o ano. Há fotos desses estábulos no webalbum, cujo endereço está no final deste post.


Como eu já mencionei, no verão alguns fazendeiros levam suas vaquinhas para conviver com a natureza, como é o caso de John Urquart (marido da Cathy do Big Sisters of London). Outros ainda, preferem dar liberdade às suas "Mimosas" para irem e virem das pastagens aos estábulos.

Ainda sobre as questões climáticas: no Canadá os fazendeiros aproveitam a primavera e o verão para cultivarem grãos e volumosos para fazerem silagem e feno, que irão alimentar o gado durante o todo o ano. Isso diferencia nosso sistema tradicional de produção brasileiro, que usa o volumoso (pastagens) essencialmente para matar a fome das vacas. Claro que o volumoso fornece certos nutrientes, que precisam ser complementados pelos concentrados do tipo silagem ou feno, mas não há, por parte do produtor, uma "ciência" nisso. Alguns produtores canadenses enviam uma amostra dos concentrados produzidos em suas fazendas para um "nutricionista", que vai receitar uma dieta balanceada para cada tipo de animal (vacas secas, em lactação, pós-parto, bezerros). Essa dieta é misturada no "mixer" e distribuída às vacas confinadas. No Brasil, o clima é propício à criação extensiva (a pasto) ou semi-confinada (revezamento entre confinamento e a pasto) durante o ano todo, além do fato de que a terra é muito mais barata.

Outra importante característica é o conhecimento que os fazendeiros possuem sobre práticas de manejo e gestão das propriedades. Vários produtores que conhecemos aqui são formados na Universidade de Guelph, seja em agronomia, agronegócios ou veterinária. Aqueles que não têm um diploma universitário, tem um college diploma, que seria equivalente ao nosso técnico pós-médio ou tecnólogo, ou ainda os novos cursos seqüenciais.

Outro aspecto importante é a comercialização. Segundo um fazendeiro com quem conversei durante o Farm Show em Woodstock, em setembro, o leite produzido em Ontário só pode ser vendido para a associação dos produtores. É a Dairy Farmers of Ontario, que repassa o leite para as indústrias e também se encarrega de fazer a divulgação dos produtos lácteos, junto aos meios de comunicação (propagandas institucionais, do tipo "beba mais leite"). Os problemas logísticos também são melhor tratados em Ontário, pois além do leite ser coletado todos os dias pela associação, as estradas são muito bem conservadas pelo governo.

Do ponto de vista do consumidor, há diferenças importantes entre o mercado canadense e o brasileiro. No Canadá, está havendo um crescente entendimento da população urbana sobre a produção agropecuária, aliada à valorização que essa atividade merece. Os assuntos agropecuários já estão sendo inseridos, inclusive, nos currículos escolares para a educação fundamental. Quanto mais as pessoas que vivem na cidade e que se alimentam dos produtos das fazendas estiverem conscientes da importância das atividades rurais, mais pressionarão os governos para que melhorem as condições de produção e distribuição dos alimentos. Então, o nível de agricultural awereness, ou "consciência agrícola", da população urbana, determina a qualidade e intensidade das políticas públicas para o setor. No Brasil, a população urbana tem um menor agricultural awereness (o leite nasce das caixinhas vendidas no supermercado...), e as políticas governamentais não favorecem o setor.

Um dos fazendeiros canadenses, por exemplo, disse que já visitou o Brasil várias vezes e que o problema em nosso país - se referindo especificamente ao caso da produção leiteira - é o baixo preço pago aos produtores. Segundo ele, isso inviabiliza a obtenção do lucro desejado e desmotiva o produtor de leite a melhorar suas práticas. Hoje se fala tanto em café fair-trade, ou seja, aquele café que foi comprado do produtor rural a um preço justo, e ninguém pensa em leite fair-trade. Para se ter uma idéia da disparidade, aqui o leite é vendido a 75 cents de dólar canadense, enquanto a cotação em São Paulo e Minas Gerais é 55 centavos de real, e no interior de Taquara há produtores que chegam a receber 35 centavos de real por litro.

Outro detalhe interessante é que nenhuma família de fazendeiros consome o leite in natura, ou seja, todos são conscientes de que o leite deve ser beneficiado na indústria antes de ser considerado um alimento saudável para os humanos.

Todos os produtores de leite da província de Ontário são associados à Dairy Farmers of Ontario, uma associação que coleta o leite produzido nesta província. Durante a Conferência Nacional de Agricultura, em maio, eu conversei com a gerente de comunicação dessa organização e pude obter algumas informações. Estou com uma visita agendada à sede da associação, localizada na cidade de Mississauga, para o próximo dia 2 de novembro. Nesse dia, o diretor de comunicação da Dairy Farmers of Ontario, vai me receber e conceder uma entrevista sobre o processo de produção de leite e derivados nesta província.

Há ainda muito o que falar sobre as vaquinhas e seu ouro branco, como higiene no manejo e conforto animal, mas vou deixar para outro post.

Fotos e vídeos que ilustram e explicam os conteúdos deste post podem ser apreciadas em:
http://picasaweb.google.com/Nara.Maria.Muller/ManejoNaAtividadeLeiteiraNoCanada

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Sustentabilidade na produção de leite

Introdução

O Iuri e eu temos compartilhado quase todas as nossas experiências educacionais e culturais aqui no Canadá. Quer dizer: eu o ajudo com os trâmites operacionais da sua pesquisa, além de, em alguns momentos, ler seus textos e ouvir suas descobertas e suas dúvidas (às vezes até dou uns palpites). Eu também estou participando com o Iuri dos Seminários de Sustentabilidade, coordenados pela doutora Tima Bansal, da faculdade de Administração da Universidade de Western Ontario. De sua parte, o Iuri tem me acompanhado a eventos ligados à produção de leite e também em visitas a fazendas. Seu objetivo é conhecer o que tem sido feito por aqui, para gerar energias alternativas e "verdinhas". Eu não posso deixar de mencionar que ele atua como meu motorista particular e fotógrafo - risos.

Biodigestores:
Em maio visitamos uma das três maiores fazendas de leite de Ontário: a Stanton Brother's Farm. Essa fazenda, com apoio do governo de Ontário, está implantando um projeto de biodigestão dos dejetos orgânicos - foto à esquerda. A idéia é captar, além dos dejetos produzidos na fazenda, também a produção de dejetos da cidade de London (laticínios vencidos, por exemplo), pois estima-se que a capacidade do biodigestor da Stanton Farms será muito superior ao que ela própria poderá produzir de matéria orgânica. Os proprietários acreditam que, quando o projeto estiver concluído, poderá fornecer energia para além da propriedade.

Cataventos - Windmills:

O Canadá, assim como o resto do mundo, está preocupado em produzir energia aproveitando o que a natureza provê, causando-lhe o menor dano possível. Assim, temos visto os cataventos - foto à esquerda: como os que temos em Osório, no Rio Grande do Sul, além dos biodigestores da Stanton Farms, ou os aquecedores de água, que utilizam o calor produzido pelo leite recém colhido, durante o seu processo de resfriamento.

A Hydro, empresa de energia elétrica do Canadá, tem um programa de incentivo à produção de energias renováveis. Significa que os fazendeiros que produzem energia elétrica, utilizando fontes alternativas como os biodigestores, cataventos, coletores solares, etc., obtêm descontos proporcionais em suas contas mensais de consumo da Hydro. Mais informações sobre esse sistema podem ser obtidas no site da própria companhia de geração de energia elétrica canadense: http://www.hydroone.com/en/electricity_industry/renewable_tech/

Aquecimento de água:

Outra coisa interessante que eu vi nas fazendas de leite aqui em Ontário, é o sistema de pré-aquecimento da água necessária para a limpeza dos equipamentos e da sala de ordenha.
Normalmente, a água utilizada para esse fim precisaria ser aquecida através do uso de energia elétrica ou caldeira. Entretanto, muitos fazendeiros utilizam um equipamento (trocador de calor), um processo extremamente simples, mas eficiente. Após a ordenha, o leite está a uma temperatura de 37º C e é direcionado, através de tubulações, para dentro desse trocador. Em outro ponto acontece a entrada de água fria que circula provocando a troca de temperatura de ambos os líquidos. O leite sai à temperatura de 10º C e segue para o resfriador para atingir à temperatura ideal de conservação: de 2 a 4º C. Já a água sai aquecida (morna) e precisa de menos energia elétrica para entrar em ebulição, tornando-se adequada à limpeza e higiene que a atividade exige.

O diagrama à direita (tirado do site Answers.com) mostra como funcionam esses trocadores de calor.

Um dos fazendeiros que visitamos utiliza a água que sai do trocador de calor para alimentar o rebanho. Ele diz que as vacas gostam de beber água morna. Mais adiante vou fazer um post sobre "conforto animal" e, sem dúvida, voltarei a mencionar essa preocupação em dar às vacas, o que lhes agrada...

Sobre sustentabilidade, era isso o que eu tinha para relatar, mas deixo o link para o álbum de fotos e vídeos que explicam um pouco mais essas práticas de geração de energia:

http://picasaweb.google.com/Nara.Maria.Muller/TCnicasDeSustentabilidade

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Passeios de outono 2

Praia no outono:
Ontem a Zulma, nossa amiga brasileira que mora por essas terras geladas, nos proporcionou um belo passeio à praia de Grand Bend, junto a um dos grandes lagos de Ontário: o Lago Huron. Ficamos encantados com tamanha beleza e lamentamos não termos conhecido essa praia durante o verão - que passou muito depressa...

Produtos da terra:
No caminho para Grand Bend nós visitamos uma fazenda de maçãs que produz vinhos dessa fruta. A loja de madeira, construída pelos próprios fazendeiros (todos da mesma família), expõe uma farta variedade de abóboras, produto pelo qual o Canadá é muito conhecido. Aliás, no final de outubro, esse fruto da terra estará enfeitando todas as casas de London, para a festa de Halloween.
No andar térreo são vendidas frutas, guirlandas, geléias, etc. No andar de cima da loja são comercializados os vinhos que também podem ser degustados no local.


Pinery Park:

Entre a fazenda de maçãs e a praia de Grand Bend, almoçamos numa padaria e cafeteria da pequena Thedford e visitamos o Pinery Park.

 Iuri num deck no Pinery Park

Eu com as abóboras da época

A loja de vinhos de maçã

 Eu na praia de Grand Bend

Iuri na praia de Grand Bend

Passeios de outono 1

É outono e o friozinho começa a se manifestar devargarzinho, com sol entremeado por nuvens e chuvas leves. Sempre que é possível, o Iuri e eu saímos para caminhar ao longo da cidade. Queremos assistir a toda essa fabulosa transformação da natureza com suas muitas cores, e aproveitar os últimos resquícios de calor solar, antes que a neve volte a esbranquiçar a paisagem e congelar nossos ossos.
E para compartilhar essas belezas, fizemos um álbum de fotos e vídeos que pode ser apreciado em: http://picasaweb.google.com/Nara.Maria.Muller/PaisagensDeOutono

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Escapando das Balas



Por enquanto, estou apenas tentando escapar das balas aqui no doutorado... volto a relatar quando baixar a poeira!

Muita coisa legal acontecendo, e aí falta tempo para escrever.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Dia de Ação de Graças

Hoje, 2ª segunda-feira de outubro, é o dia de Ação de Graças - Thanksgiving - em que se celebra os resultados da colheita anual, aqui no Canadá. Nos Estados Unidos o Thanksgivin é celebrado na 4ª quinta-feira de novembro. Eu achei muito engraçadinha a explicação do Thanksgiving, feita por alunas do ensino fundamental e disponibilizada na internet:
http://www.minerva.uevora.pt/netdays99/celebrar/products/thanksgivingp.htm

Para celebrar o dia de Ação de Graças, Mary-Anne e Zenon nos convidaram para a ceia em sua casa. Tivemos uma mesa repleta de alimentos oriundos da terra, além do tradicional peru recheado - um peru gigante, diga-se de passagem. No cardápio constavam batatinha "inglesa" assada no grill, batata doce cozida em rodelas, um suflê de vagem, um prato adocicado feito de cranberry, ou uva-do-monte - figura à esquerda. Havia também um suflê de cenoura com algum ingrediente cujo nome não consigo lembrar e pãezinhos de cereais.
Para sobremesa havia torta de maçã, torta de abóbora e uma espécie de biscoitos recheados, feitos pela Catherine, mãe do Zenon.
Havia outros convidados na casa de nossos anfitriões, o Steve, a Carol, o Nur e a Catherine. Todos nos fartamos de tanto comer - eles dizem que não se absorve as calorias do que se come na celebração do Thankstiving. Tomara!

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Greenwashing e Bluewashing

Faz um tempo que eu cruzei com o termo greenwashing, ou lavagem verde. Eu estava tentando definir green marketing, ou marketing ambiental, e um é muito confundido com o outro.

Green marketing
é o alinhamento dos processos de troca de uma empresa (pesquisa e desenvolvimento conceitual de produtos, definição do ponto de venda e do canal de distribuição, e composto de comunicação) à estratégia ambiental da empresa. Ou seja, um processo legítimo e desejável.

greenwashing é picaretagem. Mais polidamente, podia se dizer que é "partial disclosure", ou seja, dizer parcialmente a verdade. Ora, pela formação que tive em casa, quem fala parte da verdade está mentindo... Ou seja, uma empresa comunica ao mundo que implementou um projeto novo que reduz suas emissões de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global, mas "esquece" de mencionar que implementou uma dezena de outros projetos que efetivamente aumentam as emissões dos mesmos gases.

Só para recapitular, pois acho que já disse isso antes em outro momento, aqui na Ivey eu faço parte de um grupo ligado ao Centro de Sustentabilidade da escola de administração. Pois bem, esse centro está conduzindo uma série de seminários sobre alguns aspectos da sustentabilidade, aberto a alunos de doutorado e professores. A programação desses seminários está em http://www.ivey.uwo.ca/research/speaker_series.html.

Os dois últimos seminários em que participei foram sobre greenwashing. No primeiro, o professor John Maxwell, da Indiana University, foi apresentar um artigo teórico, escrito por ele e Thomas Lyon. Quem suportar modelagem matemática, ou quiser pular "as cobrinhas", pode fazer download do artigo deles no link acima (por uma questão de clareza, vou deixar para fazer meus comentários sobre modelagem matemática ao final...). A conclusão dele é que as empresas "medianas" têm mais probabilidade de fazer greenwashing. Ou seja, quem está muito bem na foto ou quem está muito mal, não tem porquê esconder algo. Da mesma maneira, as empresas muito ou muito pouco pressionadas por governos e ONGs ambientais tendem a esconder o jogo.

De lambuja, 0 prof. Maxwell me apresentou um termo novo: bluewashing. Seria o equivalente ao greenwashing para as informações de desempenho social da empresa. Exemplo: uma empresa divulga em seu balanço social que está pagando seus empregados de forma mais justa, melhorou a diversidade de sua força de trabalho. Mas esconde que tercerizou sua produção para uns picaretas em uma republiqueta sem lei social nenhuma, que utiliza trabalho escravo e consegue entregar um componente qualquer mais barato do que essa empresa conseguia produzir internamente.

Já sexta-feira passada, o co-autor dele, Thomas Lyon, diretor do Centro de Sustentabilidade da Universidade de Michigan, veio apresentar um artigo "empírico" sobre greenwashing no setor de energia elétrica nos Estados Unidos (quem quiser saber a diferença entre um estudo teórico e um empírico, leia os comentários finais). Os americanos inventaram um programa voluntário de disclosure, ou seja, divulgação de informações, sobre o desempenho ambiental no setor de energia elétrica, que é de longe o setor mais poluente nos Estados Unidos. Vamos lembrar que, contrariamente do Brasil e do Canadá, os Estados Unidos têm uma matriz energética fortemente dependente de termoelétricas. Ou seja, eles queimam petróleo e carvão para obter energia. Já os brasileiros e canadenses usam uma energia mais "limpa", a hidroelétrica. Para resumir uma história comprida, o tal programa de disclosure americano é uma palhaçada. A empresa pode optar por divulgar os dados da empresa toda, ou apenas de projetos selecionados. A melhora do desempenho ambiental pode ser estimada com base no ano que a empresa quiser, ou numa média desses anos, ou ainda a partir de uma base hipotética... Ou seja, é uma peneira, a empresa declara o que quer. Metade das empresas de energia americanas aderiu. Resultado da pesquisa: as empresas que não aderiram poluíram menos que as que aderiram. Programa governamental bem desenhado (e bem intencionado...) taí...

Modelagem Matemática

A modelagem matemática é uma técnica de tortura de letrinhas, romanas e gregas. É o método preferido dos economistas e dos físicos. Talvez por eu não entender muito de modelagem matemática, não gosto dela. Parece desconectada da realidade. Gosto mesmo é de pesquisa empírica, onde a gente tem um problema de pesquisa para resolver, desenvolve medidas para as coisas, planeja uma forma de medir o fenômeno, coleta os dados em campo e analisa esses dados. De preferência, com estatísticas. Gosto de números.

Talvez a grande diferença entre o tipo de pesquisa empírica e a teórica é que a primeira tortura números e a última tortura letras.

Todo mundo que teve matemática no ensino fundamental e médio lembra das aulas de álgebra. A professora enchia o quadro de letras e números e ia aplicando operações neles, "torturando" as letrinhas até transformar uma equação em outra. Naquela época, aquilo parecia uma tortura interminável. Não nos números e letras, mas na gente mesmo. Que horas que começa o recreio, mesmo? Gostava muito mais de geometria: era mais aplicado. Afinal, calcular a área e volume me pareciam mais palpável do que saber que (x+1)2 = ...

Na faculdade, tive aulas de cálculo diferencial e integral, equações diferenciais e álgebra linear. Parecia tão aplicável e útil quanto... a matemática do ensino médio! A diferença é que tem mais símbolos e se usam muitas (muitas!) letras gregas.

Talvez um dia eu acabe entendendo modelagem matemática e até gostando dela... afinal, foi como o Einstein e o Newton revolucionaram o conhecimento nas suas épocas. Mas acho que não tenho essa bolinha toda... vou ficar brincando com meus números e deixar gênios torturando as letrinhas gregas.