Produção Leiteira no Canadá
Nós já fizemos alguns posts sobre a produção de leite no Canadá, mas sei que estou devendo maiores detalhes sobre as práticas canadenses de "tirar leite de vaca" com maior produtividade e lucro.
Algumas características importantes diferenciam as práticas do Brasil e do Canadá em relação à produção de leite ou dos demais produtos do setor agropecuário. O clima é uma dessas características: durante alguns meses, a terra em Ontário é coberta por neve, a temperatura oscila entre +30ºC e -30ºC, que inviabiliza o uso constante de pastagens e a criação extensiva.
Com relação às diferenças climáticas entre o Brasil e o Canadá e sua influência nas formas de manejo do gado leiteiro, posso dizer que o sistema utilizado aqui é o de confinamento, com raras exceções em que as vacas são levadas às pastagens, durante o período de verão. Como o inverno é muito rigoroso por aqui e a neve cobre totalmente os campos canadenses, o rebanho permanece confinado em grandes e confortáveis estábulos, prioritariamente os freestalls, ou baias abertas, proporcionando às vacas liberdade de circulação. Esses estábulos são bem arejados e todas as aberturas são cobertas por telas - assim como as residências humanas. Na parte externa dessas aberturas, há cortinas suspensas durante o verão, que são rebaixadas quando o frio chega. Assim o gado permanece em temperatura agradável durante todo o ano. Há fotos desses estábulos no webalbum, cujo endereço está no final deste post.
Como eu já mencionei, no verão alguns fazendeiros levam suas vaquinhas para conviver com a natureza, como é o caso de John Urquart (marido da Cathy do Big Sisters of London). Outros ainda, preferem dar liberdade às suas "Mimosas" para irem e virem das pastagens aos estábulos.
Ainda sobre as questões climáticas: no Canadá os fazendeiros aproveitam a primavera e o verão para cultivarem grãos e volumosos para fazerem silagem e feno, que irão alimentar o gado durante o todo o ano. Isso diferencia nosso sistema tradicional de produção brasileiro, que usa o volumoso (pastagens) essencialmente para matar a fome das vacas. Claro que o volumoso fornece certos nutrientes, que precisam ser complementados pelos concentrados do tipo silagem ou feno, mas não há, por parte do produtor, uma "ciência" nisso. Alguns produtores canadenses enviam uma amostra dos concentrados produzidos em suas fazendas para um "nutricionista", que vai receitar uma dieta balanceada para cada tipo de animal (vacas secas, em lactação, pós-parto, bezerros). Essa dieta é misturada no "mixer" e distribuída às vacas confinadas. No Brasil, o clima é propício à criação extensiva (a pasto) ou semi-confinada (revezamento entre confinamento e a pasto) durante o ano todo, além do fato de que a terra é muito mais barata.
Outra importante característica é o conhecimento que os fazendeiros possuem sobre práticas de manejo e gestão das propriedades. Vários produtores que conhecemos aqui são formados na Universidade de Guelph, seja em agronomia, agronegócios ou veterinária. Aqueles que não têm um diploma universitário, tem um college diploma, que seria equivalente ao nosso técnico pós-médio ou tecnólogo, ou ainda os novos cursos seqüenciais.
Outro aspecto importante é a comercialização. Segundo um fazendeiro com quem conversei durante o Farm Show em Woodstock, em setembro, o leite produzido em Ontário só pode ser vendido para a associação dos produtores. É a Dairy Farmers of Ontario, que repassa o leite para as indústrias e também se encarrega de fazer a divulgação dos produtos lácteos, junto aos meios de comunicação (propagandas institucionais, do tipo "beba mais leite"). Os problemas logísticos também são melhor tratados em Ontário, pois além do leite ser coletado todos os dias pela associação, as estradas são muito bem conservadas pelo governo.
Do ponto de vista do consumidor, há diferenças importantes entre o mercado canadense e o brasileiro. No Canadá, está havendo um crescente entendimento da população urbana sobre a produção agropecuária, aliada à valorização que essa atividade merece. Os assuntos agropecuários já estão sendo inseridos, inclusive, nos currículos escolares para a educação fundamental. Quanto mais as pessoas que vivem na cidade e que se alimentam dos produtos das fazendas estiverem conscientes da importância das atividades rurais, mais pressionarão os governos para que melhorem as condições de produção e distribuição dos alimentos. Então, o nível de agricultural awereness, ou "consciência agrícola", da população urbana, determina a qualidade e intensidade das políticas públicas para o setor. No Brasil, a população urbana tem um menor agricultural awereness (o leite nasce das caixinhas vendidas no supermercado...), e as políticas governamentais não favorecem o setor.
Um dos fazendeiros canadenses, por exemplo, disse que já visitou o Brasil várias vezes e que o problema em nosso país - se referindo especificamente ao caso da produção leiteira - é o baixo preço pago aos produtores. Segundo ele, isso inviabiliza a obtenção do lucro desejado e desmotiva o produtor de leite a melhorar suas práticas. Hoje se fala tanto em café fair-trade, ou seja, aquele café que foi comprado do produtor rural a um preço justo, e ninguém pensa em leite fair-trade. Para se ter uma idéia da disparidade, aqui o leite é vendido a 75 cents de dólar canadense, enquanto a cotação em São Paulo e Minas Gerais é 55 centavos de real, e no interior de Taquara há produtores que chegam a receber 35 centavos de real por litro.
Outro detalhe interessante é que nenhuma família de fazendeiros consome o leite in natura, ou seja, todos são conscientes de que o leite deve ser beneficiado na indústria antes de ser considerado um alimento saudável para os humanos.
Todos os produtores de leite da província de Ontário são associados à Dairy Farmers of Ontario, uma associação que coleta o leite produzido nesta província. Durante a Conferência Nacional de Agricultura, em maio, eu conversei com a gerente de comunicação dessa organização e pude obter algumas informações. Estou com uma visita agendada à sede da associação, localizada na cidade de Mississauga, para o próximo dia 2 de novembro. Nesse dia, o diretor de comunicação da Dairy Farmers of Ontario, vai me receber e conceder uma entrevista sobre o processo de produção de leite e derivados nesta província.
Há ainda muito o que falar sobre as vaquinhas e seu ouro branco, como higiene no manejo e conforto animal, mas vou deixar para outro post.
Fotos e vídeos que ilustram e explicam os conteúdos deste post podem ser apreciadas em:
http://picasaweb.google.com/Nara.Maria.Muller/ManejoNaAtividadeLeiteiraNoCanada
6 comentários:
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos produtores no Brasil, a baixa remuneração, o pouco incentivo por parte dos governos, eles ainda acabam caindo nas mãos dos atravessadores. Estes por sua vez acabam explorando estes produtores e isso faz com que os recursos recebidos não se trenformem em novos investimantos, uma lástima.Tenho interesse em cria uma associação de produtores de leite, para acabr com o atravessador, e negociar direto com a indústria. Sei que isto ja existe no Brasil, mas gostaria de exemplos de associações do Canadá. Se possível serei grato.
Atenciosamente,
Rafael Zago
Prezado Rafael:
Como você não deixou um endereço para contato, estou respondendo através de um comentário no próprio blog. Se você entrar no item agronegócios deste blog, verá que eu fiz outros posts sobre a atividade leiteira no Canadá, inclusive, relato a entrevista com o diretor de comunicação da Associação de Produtores de Leite de Ontário, em novembro de 2007. Tem, inclusive, link para o site da Associação: Dairy Farmers of Ontario, se você lê em inglês, pode obter informações por lá. Caso contrário, deixe um comentário com seu endereço de e-mail, que eu terei prazer em fornecer mais informações. Atenciosamente, Nara.
Só para complementar a fala da Nara. As realidades legais dos dois países são muito distintas. No Brasil, as associações de produtores são privadas, e podem ser quantas os produtores bem entenderem. No Canadá, elas são regulamentadas pelo governo, e existe apenas uma por província. No nosso caso, como estávamos na província de Ontario, a associação é a DFO.
Esses "nutricionistas" são os zootecnistas. Ou "animal scientists", como são chamados os zootecnistas no exterior.
Esses "nutricionistas" são os zootecnistas. Ou "animal scientists", como são chamados os zootecnistas no exterior.
A espera de adquirir mais informações e experiência. +55 (97) 991759499
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