sexta-feira, 8 de junho de 2007

Reality Shows distorcem a percepção da realidade?

Estamos vendo TV aqui no Canadá... isso não parece uma grande notícia, todo mundo vê TV. Menos nós. A Nara é menos que desinteressada: ela odeia a coisa. Eu sou um pouco menos avesso, mas mesmo assim não sou fã desse tipo de entretenimento. Assim, no Brasil, não víamos nunca TV.
Aqui no Canadá, estamos com um aparelho emprestado, e tem sinal de cabo nesse apartamento em que estamos morando. Por isso, resolvemos assistir um pouco de televisão para aprender melhor o inglês "que as pessoas falam". E para isso, nada melhor do que as dúzias de "reality shows" que passam aqui, com pessoas "normais", ao invés de atores profissionais.
Emendamos quase um mês vendo esse tipo de programa. Há dois canais que nos assistimos aqui: TLC (The Learning Channel - tlc.discovery.com) e HGTV (House and Garden TV - hgtv.ca). E impressiona a quantidade de "reality shows" sobre renovação de casas - as "renos" - e reviravoltas - "flips" - com finalidade de ajustar a família a uma casa ou reformar uma para vender. Há outros tipos, claro, como uma família em que os pais são anões e alguns filhos são anões e outros têm uma altura normal. Outro em que uma dupla de estilistas (uma mulher e ... uma pessoa de outro sexo) "ajuda" uma pessoa de extremo mau gosto - geralmente indicada por "amigos" ou familiares - a ser menos baranga. Outro que eles transformam o carro velho (mesmo) de alguém em um "Magal-machine", e assim por diante. Os exemplos são intermináveis, com mais ou menos qualidade.
Mas ficamos mesmo foi com os de renovação de casas. Temos nossa casa há dois anos, e vínhamos "segurando os trocados" para o caso de ser aprovada minha bolsa de sanduíche no Canadá. Portanto, as reformas foram todas suspensas até... bem... se ter dinheiro de novo! Mas para nós era importante fazer uma pequena reserva antes de virmos, porque se imaginava que a bolsa de doutorado não daria para muita coisa, e era preciso ter algum para pagar os extras (teatro, viagem, livros, enfim, o que pintasse). Então, esses programinhas de decoração e reforma são bastante interessantes, porque trazem algumas boas idéias. Desde que se mantenha as coisas sob perspectiva.

Vou explicar, em linhas gerais, como funciona esse tipo de programa. São programas de 30 minutos, que mostram um processo de reforma do início ao fim, com um caso (uma família, um investidor, um jovem casal, etc.) em cada episódio. Como é de se esperar, em se tratando de TV, com final feliz. No início, uma casa podre, um apartamento mal decorado, etc., e no final, tudo muito lindo, e rápido. Em alguns desses programas, as pessoas participam do processo, em outras, elas saem e a produção do programa "toma conta", para que eles possam fazer "UAU" no final. Sempre tem isso: na cena final, o felizardo volta e diz: "UAU!!!", dá um depoimento de como a vida dele/a/es mudou depois da reforma ou seja lá o que o programa faz (às vezes, uma reorganização de uma peça da casa).
Para um casal com um mínimo de senso de realidade, já é altamente tentador. Dá vontade de desligar a TV, e ir correndo ao Home Depot, RONA, Home Hardware, enfim, qualquer uma dessas lojas de material de construção que patrocinam esses programas e sair comprando tudo o que vê pela frente... Aliás, ao dizer "lojas de material de construção" talvez não se consiga transmitir a um leitor brasileiro exatamente o que elas são. Não conheço nenhuma loja de material de construção no Brasil que tenha o mix dessas lojas... São absolutamente enlouquecedoras.
Bom, mas temos esse senso de realidade. Meus pais estão com a casa em "construção e reforma" desde 1980... até agora! É só ir na casa deles e minha mãe, lá pelas tantas, começa a dizer que "tinha mais uma coisa para fazer na casa". O pai da Nara, professor aposentado do Estado como os meus, faz uns anos é corretor de imóveis. Ou seja, temos um mínimo de conhecimento de causa. Imaginamos a "tropa" de gente que precisa para fazer aquelas reformas mágicas dos programas de TV. Então, vemos esses programas com um certo grau de ceticismo: "é televisão" = "não é a realidade". Aproveitamos algumas pequenas idéias aqui e ali, mas jamais achando que vai se reformar uma cozinha em meia hora (quem dera...).
Mas ao que parece, o nível médio de discernimento por parte dos espectadores desse tipo de programa não é tão alto... Extremamente populares no Canadá, esse tipo de "reality show" começa a criar expectativas irreais nos expectadores. "Eu vi na TV..." começa a ser um argumento cada vez mais utilizado quando um construtor passa um orçamento ou um prazo para um possível cliente - e este achava que seria como o programa que ele assiste todas as noites. Hoje saiu no Globe and Mail (leia clicando aqui) uma reportagem a esse respeito. A colunista chamou de "síndrome de RSE", ou "reality show expectation" (expectativa de programa-realidade seria uma tradução aproximada). Ela cita um caso dramático, em que o dono de um estabelecimento comercial (esqueci de mencionar... os "casos" incluem restaurantes e escritórios...) simplesmente fechou as portas, cortando portanto os ingressos de seu fluxo de caixa, sem antes ter um planejamento, contratar um designer, nem um construtor. A colunista ironiza: em plena época de reformas, encontrar um construtor parado, "dando sopa", é de desconfiar...
Resumo: os "reality shows" são programas de "realidade" ou induzem mais à fantasia e ao devaneio (wishful thinking, como se diz aqui) do que os programas ficcionais?

2 comentários:

Anônimo disse...

O pior é que tua mãe já encontrou mais obras para fazer. Ela mandou o Catulino fazer um muro de contenção e canteiros atrás da piscina.
É fogo. Vai ser viciada em cimento lá caixa prego.
Leo Gavronski.

飯糰夾蛋Karen disse...
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