terça-feira, 17 de julho de 2007

Amostragem aleatória? Barbada! Depois vem a parte difícil...

Meus bisavós vieram da Itália no início da década de 1920. Meu bisavô morreu em 1979. No período em que convivemos, eu achava difícil falar com ele. Primeiro que ele era tímido, não tinha assunto com crianças. Depois, ele falava com um forte sotaque italiano, e misturava as palavras nos dois idiomas. Eu tinha muita dificuldade de entender o que ele dizia.

Já minha bisavó era outra história. Falante e extrovertida, gostava de contar piadas e histórias de quando ela era moça na Itália, da vinda deles para o Brasil, das dificuldades de entrar em um país em que nada se sabia. Ela lia muito, conversava muito e falava português com fluência. Mas quando ela falava no telefone, o sotaque italiano saltava. E, claro, quando ela ficava nervosa, a língua materna também falava mais alto...

***

Estamos em uma fase delicada da minha pesquisa. Nos demos conta de um pequeno problema conceitual no questionário, nada grave, perfeitamente contornável com uma ou duas palavras bem colocadas. Nada que vá invalidar nosso processo no Comitê de Ética. Entretanto, temos sérias dúvidas se o setor eletrônico, onde eu tinha intenções de fazer a pesquisa originalmente, seria o mais adequado.

Decidimos então fazer uma investigação preliminar. Eu tenho uma relação das empresas canadenses, e vou ligar para algumas empresas, escolhidas aleatoriamente em diversos setores, para "tirar uma febre" sobre alguns pontos do questionário e entender um pouco melhor as práticas e o jargão da área. Uma ligação rápida, uma conversa informal que não toma mais que 10 minutos do gerente da empresa. Isso pode evitar alguns meses e muitos dólares desperdiçados coletando dados que não servem para nada.

Normalmente, fazer uma "amostragem aleatória" é uma chatice. É a base da ciência, porque é a única forma que se conhece de se garantir que se está escolhendo representantes legítimos da população investigada. Apesar de importante, os métodos para se criar a tal amostra são muito trabalhosos e chatos de fazer.

Aí o Rob Klassen, o professor com quem estou trabalhando, me deu uma dica legal. Cria uma coluna na planilha com uma variável aleatória e classifica por essa coluna. Parece complicado, mas precisa menos de um minuto para fazer isso no Excel. Comparado com os outros métodos, esse é o paraíso na Terra! É só ir seguindo a listinha na ordem. Se tem a amostra que se quiser, do tamanho que se precisar.

Tá. E ligar para as empresas? Lembrei da minha bisavó no primeiro dia que comecei as ligações. "Preciso falar com o plant manager (gerente da fábrica)". E quem disse que as pessoas entendem o que eu dizia? Por escrito, e pessoalmente, tudo bem. Todo mundo aqui é polido e acha meu inglês muito bom. Mas no telefone... nos primeiros dias, que desgraça...

A minha sorte é que a janela de tempo para isso é curta em cada dia. Das 8 às 9 horas da manhã e depois das 3 às 5 horas da tarde. No miolo do dia, os gerentes de operações das empresas estão debaixo do mau tempo, em reuniões, resolvendo problemas na fábrica. Nem pensar em falar contigo. Digo que essa foi minha sorte porque se tivesse que fazer isso o dia todo, com a dificuldade que tive no primeiro dia, tinha atirado a toalha. Mas tomar poucos "não" por dia foi mais fácil de suportar. Enfrentei os inevitáveis "balões", tipo "está em uma reunião", "vou transferir para a caixa de mensagem dele", "vou anotar teu telefone e te ligamos" e assim por diante, que eu já esperava e considero normais. Mas a barreira do idioma, de início, foi grande. E também explicar o que eu estava querendo estava muito difícil.

Acho que eu aprendi rápido, até. Já consegui identificar meios de furar os bloqueios tradicionais no Canadá, que são até bem parecidos com os das empresas brasileiras, mas têm pequenas diferenças, como era de se esperar. Já consegui identificar que palavras que eu digo ao telefone que as pessoas não entendem, e melhorei a pronúncia dessas palavras, porque agora eles as entendem direto. E principalmente já aceitei que eu sou um estrangeiro, e estrangeiros sempre terão sotaque ao telefone, não importa quantos anos eles tenham estudado inglês em seu país de origem.

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