sábado, 24 de novembro de 2007

Consórcio Doutoral

Eu havia participado do Consórcio Doutoral do ENANPAD ano passado. O ENANPAD é o principal encontro de pesquisadores na área de administração no Brasil. Confesso que fiquei um pouco decepcionado com o que vi lá. Basicamente, o consórcio doutoral do ENANPAD reúne os doutorandos que vão apresentar seus projetos, em 20 minutos, e ouvir comentários de professores de outras universidades. Sinceramente, temos bastante esse tipo de feedback dos professores da UFRGS, não senti muita necessidade desse tipo de coisa.

Quando o Rob Klassen sugeriu que eu me inscrevesse no consórcio doutoral do DSI, o fiz com um pouco de medo. Mas como eu iria ao congresso de qualquer maneira, achei que não perderia nada. Fiquei surpreso. Acho que é um modelo a ser adotado. Como a realidade do doutorando brasileiro é um pouco diferente do americano, com algumas adaptações o consórcio doutoral brasileiro poderia trazer um retorno melhor para o aluno que nele participa.

Começou bem cedo. 7h30 da manhã, fomos esperados com um café da manhã. Às 8 começaria. Atrasou, para minha surpresa. Num primeiro momento, para ganhar tempo enquanto os painelistas não chegavam, nos apresentamos todos. Finalmente, os painelistas chegaram.

Painel de Recém-Doutores

O primeiro painel foi composto de professores recém-formados que haviam conseguido emprego. A moderadora apresentava perguntas, e cada um dos painelistas ia respondendo conforme sua experiência. Basicamente, o assunto era como começar a trabalhar como professor universitário nos Estados Unidos. Como identificar uma posição, o que dizer na entrevista, o que observar na universidade.

Cabe dizer que a vida profissional nos Estados Unidos/Canadá é bastante diferente do Brasil. Quando um doutorando está por se formar em um desses países, ele manda dezenas de cópias de seu currículo para universidades. As entrevistas ocorrem em congressos científicos (como o que eu estava participando), algumas vezes um a um, às vezes coletivamente em um quarto de hotel (os candidatos ficam espalhados pelo quarto enquanto um deles é entrevistado). Depois, se o entrevistador gostar do candidato, ele é convidado para visitar a universidade. Ele é recebido no aeroporto por um professor, em geral o coordenador da área, levado para jantar e depois para um hotel. No dia seguinte, ele passa o dia na universidade, conversando com o resto dos professores e com o diretor da unidade. Caso aprovado, a universidade assina um contrato que garante o emprego do candidato por um número de anos (de 3 a 10, em geral 6): ele entra em tenure track. Se durante esse período, o professor conseguir atingir as metas da universidade (em geral, ter publicações em periódicos científicos importantes na área), ele é tenured. Ou seja, tem emprego vitalício na universidade. Percebam então a importância da seleção nesse processo: se a universidade contratar um "banana", ele só pode ser demitido no momento da transição para a tenure, nem antes nem depois. O risco é alto.

Painel de Diretores

Os próximos a falar foram os diretores. Formaram o painel 3 diretores de universidades americanas dos mais diversos portes. Eles falaram sobre o que conversam com o candidato e o que pesa no processo decisório deles, na hora de recomendar ou não a contratação do professor. Foi bom para ver "o outro lado do balcão". Esses dois primeiros painéis não me afetaram diretamente, embora eu tenha curiosidade (como tenho por tudo) pelo processo de contratação de professores nos Estados Unidos. Mas a real aprendizagem prática, para mim, aconteceu a seguir.

Painel de Editores

O próximo painel foi o dos editores de periódicos científicos. O Brasil já foi mais provinciano, no sentido que não nos preocupávamos muito com inserção internacional. Hoje, as universidades são avaliadas pela publicação científica de seus professores, e as publicações internacionais pesam muito mais. Obviamente, a coisa reflui pelas camadas mais baixas: as universidades pressionam/estimulam (depende do ponto de vista...) os professores a publicarem. Além disso, publicação também é avaliada na hora de conceder verbas para projetos de pesquisa.

Em resumo, é vital para a carreira de um professor universitário brasileiro ter publicações internacionais. E estar ali ouvindo os editores de algumas das revistas mais importantes da minha área é uma oportunidade única. Por exemplo, fiquei sabendo nesse painel que mais de 40% dos artigos submetidos sofre "desk rejection", ou seja, são tão inapropriados em termos de conteúdo, gramática ou método que são rejeitados pelo próprio editor, sem ir para os revisores. No caso do Decision Science, apenas 6-7% dos artigos submetidos é aprovado para publicação. Mais fácil "acertar" na roleta russa (17% de chance), portanto, do que ter um artigo aprovado. Por outro lado, eles pesquisaram o padrão de publicações do periódico e verificaram que quem tem um artigo aprovado tem 25% de ter outro aprovado depois. Ou seja, há um aprendizado do processo. Já para professores novos (leia-se recém-doutores), as chances caem para 1.5%. Recomendação deles: voluntariar-se para ser revisor de artigos. O revisor é um especialista, voluntário, que lê anonimamente os artigos enviados para um periódico e recomenda ou não a sua publicação. O revisor, de tanto ler artigos, acaba "pegando o jeito" da coisa.

Fui procurar o editor-chefe do Decision Sciences e perguntar para ele como superar a barreira do idioma. Convenhamos: por melhor que seja o inglês de um estrangeiro, ele nunca é igual ao de um falante nativo. Ele me deu duas recomendações: contratar um editor profissional, que corrija o inglês do artigo, e/ou escrever em co-autoria com falantes nativos do inglês.

Planejamento Estratégico de Pesquisa

Na próxima sessão, nos dividimos em pequenas mesas redondas. Eram 4 doutorandos e 2 doutores, e discutíamos nossos projetos de pesquisa, e como fazer com que esse projeto persista por 5 anos. Só para lembrar: o processo de tenure gira em torno de 5 anos, e ficar mudando de assunto durante esse período pode tirar a chance de obter as publicações que o recém-formado precisa para ser aprovado na avaliação.

Na verdade, essa sessão foi um pouco inútil para mim do ponto de vista de conteúdo. Nosso processo no Brasil é diferente. Mas tive a sorte de sentar na mesa com o editor do periódico mais importante de minha área, e consegui entender um pouco o processo de raciocínio dele. Isso não garante nada, óbvio. Mas melhor do que tatear no escuro.

Técnicas de Ensino

Por último, tivemos uma sessão de técnicas de ensino. Essa foi tão empolgante que vou colocar em um post separado.

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