domingo, 16 de setembro de 2007

Migrar para o Canadá

Preciso começar esse post com uma ressalva: essas são as minhas opiniões pessoais, como o resto do blog, e não representam a posição oficial de nenhum dos países envolvidos. Além disso, esse é um tema carregado de emoções e crenças, e respeito emoções e crenças dos outros, me reservando o direito de ter e expressar minhas próprias.

Inicialmente, minha idéia era fazer um comentário no post da Nara, em resposta à Taís, de Porto Alegre, que afirma que "só nos resta migrar" do Brasil para o Canadá (ver Temas Globais). Mas durante a composição mental de minha resposta decidi fazer um post, e não um comentário, dada a importância do assunto.

Concordo em parte com a Taís. O Tom Jobim uma vez disse que "a saída para o músico brasileiro é o Galeão", referindo-se ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro. Para algumas profissões, realmente não há espaço em sua terra natal. Hoje, por exemplo, alguém que queira trabalhar em uma empresa de tecnologia de ponta na área de Internet, por exemplo, vai encontrar sua "Meca" no Vale do Silício, na Califórnia, US. Mas existem bons empregos na área de tecnologia da informação em outras partes do mundo.

Além disso, as coisas são dinâmicas. Quando Tom Jobim falou isso, não havia esse mercado interno para músicos como existe hoje no Brasil e a bossa nova estava em alta nos Estados Unidos, tanto que ele foi fazer parceria com o Frank Sinatra, uma celebridade indiscutível nos anos 1960. Hoje, a maior parte dos vôos internacionais nem partem mais do Rio de Janeiro, e sim de São Paulo, e o aeroporto GIG não se chama mais Galeão, e sim Antônio Carlos Jobim, e os americanos ouvem rap...

Dito isso, não tenho nada contra migrar do Brasil para lugar nenhum. Acho o Canadá um país sensacional, não fosse esse clima frio. Mas uma coisa é a pessoa migrar porque recebeu uma oferta boa, ou vem estudar neste país e acaba formando vínculos por aqui. Outra coisa é a pessoa migrar porque acha que vai sair do inferno para o paraíso. Essas coisas não existem, pelo menos não em nosso plano de existência. O Canadá é um país normal, com gente normal. Tem algumas coisas que são melhores que o Brasil, mas não é o paraíso.

Não sou imigrante, portanto não posso dar detalhes do processo. Mas posso dizer que, quem migra, não pode ter carro nos primeiros (longos) tempos. Isso parece um luxo no Brasil, mas aqui ficar sem carro no inverno significa tomar vento de -30, -40 graus na cara, durante o inverno. Uma perspectiva que, para mim e para a Nara, é incômoda, mesmo sendo temporária, mas pode tomar muito tempo e ser muito frustante para o imigrante.

Além disso, em certos círculos, algumas pessoas ficam bastante impressionadas como o nosso inglês é bom e pelo fato de falarmos duas línguas. Em outras circunstâncias, nosso inglês é insuficiente. Poucos empregos nos aceitariam "direto" com nosso nível linguístico. Isso que fizemos o curso de inglês completo nas melhores escolas de nossas respectivas cidades. Mas uma coisa é fazer curso de inglês no Brasil, e sair na porta e falar português até a próxima aula. Outra é falar com a moça simpática do restaurante que te pergunta "uaiobrau?" e ter que adivinhar se é torrada feita com pão branco ou pão integral, se é a torrada mais clara ou mais escura ou se queres o frango com carne branca (peito) ou escura (coxas)...

Outro dia desses estávamos vendo uma reportagem local, feita aqui em London, e entrevistaram taxistas. A maior parte imigrantes, como nos Estados Unidos. Um deles é engenheiro civil, formado pelo Sudão. O outro se queixou que o inglês dele não era bom o suficiente para trabalhar em uma fábrica e ele foi para o táxi. Conversei com taxistas nos Estados Unidos e não era muito diferente. Um era professor de matemática em seu país, na América Central, e foi dirigir táxi em Boston.

Conversamos com um empresário brasileiro que quer abrir uma filial aqui e ele vai ter que se associar com alguém que seja canadense ou pelo menos tenha um visto de residente, porque um estrangeiro não pode ter empresa aqui, segundo ele. Deve ser verdade. De quem o Canada Revenue Agency (a receita federal deles) iria cobrar o imposto de renda?

Além disso, tem a questão do diferencial. Para alguém que trabalhe na construção civil, como pedreiro ou eletricista, ou seja motorista de táxi, ou qualquer outra profissão que exija menor formação técnica, vir para o Canadá vai representar um salto de receita e de poder aquisitivo. Para pessoas com maior formação, tal salto não acontece. O Canadá, mesmo sendo mais justo socialmente do que o Brasil, é um país capitalista: ganha muito dinheiro quem tem a propriedade privada dos meios de produção, em larga escala, e sabe administrar tais meios. Os demais, os que só tem a força de trabalho para vender, os trabalhadores, os profissionais liberais, os pequenos empresários, esses ganham para a subsistência. Têm, talvez, mais conforto que no Brasil, mas não ficam ricos.

Então, antes de sonhar com o paraíso e acabar encontrando o inferno dentro de si mesmo, o jovem que pensa em emigrar do Brasil deve se fazer a pergunta básica: qual é meu objetivo? Ter uma experiência internacional e voltar para o Brasil para ter uma colocação melhor? Trabalhar definitivamente em outro país e ter uma vida melhor? Mandar dinheiro para os pais comprarem uma casa? Aproveitar uma oferta de emprego "dos sonhos"?

Depois de definido o objetivo, e se emigrar ainda for a resposta, avaliar o nível lingüístico, e ser bem realista nesse ponto. Experimenta ir a uma loja e pergunta a mesma coisa três vezes para o vendedor (diz, candidamente, "não entendi", bem devagar). Vais ter uma boa idéia de como as pessoas são pacientes com quem não domina a língua. Talvez os primeiros meses fora do Brasil não serão trabalhando, mas sim "investidos" em um curso de inglês. Pesquise antes de vir. Há bons "colleges" no Canadá que tem cursos de ESL (English as a Second Language ou inglês para estrangeiros).

E aí vem o terceiro e mais doloroso planejamento de todos: o financeiro. Ninguém pode acreditar que vai migrar para um país e arrumar emprego no primeiro mês, principalmente se ainda tiver que aprimorar sua língua. Então tem que dimensionar seu caixa para não passar fome, pagar o aluguel e o eventual curso. Trabalhar em um emprego "alternativo" pode ser uma opção para alongar o caixa. Se alguém quer vir trabalhar como engenheiro aqui, por exemplo, suportaria quanto tempo trabalhar de garçom ou taxista até atingir seu objetivo? Será possível conseguir fazer esse salto?

Enfim, certamente eu não ofereço a resposta definitiva quanto a essa questão da migração, mas meu objetivo com esse post é trazer um pouco menos de emoção e mais racionalidade para essa decisão.

4 comentários:

Dani e Rafa disse...

Iuri
O post retrata bem a realidade.. Sair do Brasil não significa que o Canadá é perfeito..Eu e meu marido somos imigrantes, a experiência tem sido mto boa, mas tem altos e baixos, sem contar que vai muuuita grana até vc se estabilizar na cidade.Dá para arrumar emprego sim, mas para isso 6 a 8h diária na frente do computador na busca do saláro e empresa "ideal".. Não vou dizer se vale ou não a pena pq isso é mto pessoal, mas para nós a experiencia tem sido valiosa.
Abraços.

Taís Jacques disse...

Oi eu sou a Taís de Porto Alegre que deve ter postado mensagem no blog da Nara..quando disse que do Brasil só nos resta migrar me referi as diversas habilidades que muitas vezes temos aqui -e que não são reconhecidas, por exemplo falar mais de um idioma -(não me refiro só a Português-Inglês). É claro que sei, que vida de imigarnte não é fácil, que as coisas são difíceis, nova cultura, novas pessoas , o idioma, mas deve-se ter em mente que com boa vontade (principalmente para estudar)e cabeça aberta, já é um bom começo, ainda mais para quem pretende não só trabalhar, mas principalmente fazer um outro curso superior... quem sabe outro

abraços

iuri disse...

Não posso falar "de cadeira", porque não somos imigrantes. Tenho, inclusive, um termo de compromisso assinado com o CNPq, em que me concordei em receber a bolsa na condição de voltar ao Brasil.
Independentemente disso, não gostaria de emigrar. Ainda acho que o negócio é morar fora do país um tempo e voltar.

Qualquer experiência internacional é muito valorizada no Brasil, e ficar trabalhando/estudando um tempo no Canadá e voltar deve dar um bom resultado. Na suas mensagens, a Taís disse que seu conhecimento de inglês não é valorizado. Não sei o quanto ela conhece de inglês, mas pode ter certeza que, por melhor que ele seja, não é igual a quem viveu fora do país um tempo. Talvez seja melhor apenas "passar um tempo" e voltar com o passe valorizado do que migrar.

O Renato é engenheiro e pretende se mudar para Toronto. Meu conselho: venha se tiver uma proposta na mão. Toronto é um destino super-procurado por imigrantes e acho que deve ser um pouco mais complicado de achar emprego. Por outro lado, outras províncias, com Saskatchewan (ver www.saskjobs.com) e Alberta estão contratando...

Concordo plenamente com a Dani (ver o blog dela, A Marcha dos Pingüins, é sensacional). A avaliação de que se vale a pena migrar é uma questão muito pessoal. A minha é... voltarei! Ser professor universitário no Brasil ou no Canadá, para quem tem emprego... tem algumas diferenças, mas nada que me fizesse arrumar as malas. Pelo menos ainda não vi nenhum pote de ouro por aqui.

Anônimo disse...

ADOREI O POST PARABÉNS CONTINUE ASSIM!